Ê, você aí, me dá um Armani aí, me dá um Armani aí...
Armani não resolve. Os Armani exibidos na posse de Lula deixaram isso bem claro. Havia mais elegância em um cocar de índio caiapó do que em todos os Armani reunidos. A roupa em si é elegante. Quem veste é que não é. Falta postura, charme, elegância. Não confundir com afetação, frescura. Pequenos detalhes como a gravata, a camisa, o lenço no bolso do paletó, fazem uma diferença enorme.
Às vezes, uma abotoadura. Ainda há quem use. Poucos, mas há. Uma van Cleef, uma Tiffany não faz feio em lugar nenhum. Apenas destaca quem as traz.
O Armani usado por Gilberto Gil, ministro da Cultura, não fez dele um homem elegante. Fez dele mais um usando Armani. No caso, o hábito não fez o monge.
É inacreditável que Gil não tenha apreendido na sua Bahia querida que terno de linho branco é super elegante. Deixa os Armani no chinelo.
Os coronéis do cacau sabiam disso. Usavam e abusavam. Chapéu Panamá, terno de linho. Conforto e elegância.
Aliás, está na hora de dizer chega ao azul-marinho, ao cinza grafite, ao preto.
Para cerimônias noturnas, formais, tudo bem, mas para a posse à tarde é simplesmente ridículo. Tão absurdos quanto os papais-noéis em suas roupas vermelhas debaixo do solão de lascar de dezembro.
O mesmo sol que obrigou Lula a trocar a camisa branca, ensopada de suor, no banheiro do Congresso. Possivelmente a cueca e as meias. Um terno menos escuro, tecido mais leve, malhas mais abertas, absorveria menos calor. Lula não passaria o sufoco que passou.
Gil é elegante em cima de um palco, de um trio elétrico, violão atravessado no peito. Estava elegante quando cantou antes da posse.
Parecia fantasiado de executivo à la Armani, quando em pé, entre Mercadante e Ciro Gomes, cochilou durante a posse. Li o discurso do senhor ministro da Cultura. Não sei se alguém que ouviu, cochilou. Fiquei com sono.
Este trecho “original e inédito”, verdadeira canção de ninar, quase me fez nanar:“Não corresponde ao Estado fazer cultura, mas criar condições de acesso universal aos bens simbólicos, proporcionar condições necessárias para a criação e a produção de bens culturais, sejam artefatos ou “mentefatos””.
Só pode ser culpa do Armani. Subiu à cabeça do moço. Não deve ser o mesmo que me emocionava quando cantava “se orienta rapaz... é preciso não temer a morte ... é preciso estar atento e forte”.
“Acesso universal aos bens simbólicos...”, “mentefatos”? Só pode ser coisa do terno, do Armani.
Conversei com Carla, minha amiga petista roxa e ela acha que é muito cedo para julgar. Até pode ser. Mas que frei Betto e a maioria das pessoas com quem converso estão certas ao preferir o professor Antonio Cândido ao Gil, estão. Eu também prefiro. Petista de longa data. Intelectual de peso.
No toma lá dá cá, da política é compreensível a indicação. Por trás do ministério está o dedo, ou melhor a mão de Antonio Carlos Magalhães. Portanto...
Ainda não posso escrever que Gilberto Gil como ministro foi um ótimo cantor. Mas, pelo andar da carruagem sei que ainda escreverei. O que hoje posso escrever é que no governo que felizmente acabou, a cultura sempre foi tratada como prima magra, pobre e feia. Baranga fanada, triste.
Até agora, a ficha não caiu para nossos governantes. Se tivessem um mínimo de visão, compreenderiam por que o Rei Sol considerava a arte e a cultura alavancas do poder...
Mais próximo de nós, no século que passou, o bilhardário Paul Getty dizia:“Quando todas as soluções políticas falham, só há uma solução: a arte”.
Até quando vamos ter que esperar a ficha cair?
Daqui a pouco o carnaval estará aí. E então, Ministro, como é que fica? Trio ou ministério? E o decoro? Onde fica?
O saudoso Dom Clemente da Silva Nigra, de Salvador, que o senhor ministro deve ter conhecido ou, se não conheceu, ouviu falar, dizia que na hora do carnaval, entre a cruz e a caldeirinha, a preferência é da última. Assim sendo....
Carlos von Schmidt
3.1.2003 21,30h