A arte sempre perde

Homem lê papéis na entrada do Museu Nacional de Bagdá (Jerome Delay/AFP)

Homem lê papéis na entrada do Museu Nacional de Bagdá. (Jerome Delay/AFP)

 

Caos. Saque. Pilhagem, vandalismo. As imagens na televisão, na Internet, revelaram até certo ponto, Bagdá depois da guerra de Bush/Blair.

Só vimos de relance, talvez 10%, dos "desastres da guerra" que Goya nos ensinou a ver.

Dos jornalistas não "embedded", não "encaixados" nas forças anglo-americanas, palavra erroneamente traduzida por "embutidos", como se eles fossem lingüiça ou salsicha, o britânico Robert Fisk, do The Independent, ao meu ver foi o que melhor cobriu a guerra.

Seus textos não se limitaram ao factual, ao óbvio, ao que todo mundo viu. Foi muito além. Sua descrição de visita aos hospitais tem a mesma pungência das gravuras goyescas.

Nos faz pensar que o Inferno de Dante é fichinha perto dos hospitais de Bagdá depois dos bombardeios.

Fisk tem um texto que ultrapassa o meramente jornalístico. O feijão com arroz diário. Além disso, não se deixa manipular e conserva a independência que faz jus ao título de seu jornal.

Mas, Fisk entrou neste texto de lambuja. Merece mais do que essas poucas linhas. Na verdade quero falar da destruição do Museu Nacional de Bagdá. Vergonha das vergonhas.

Quando a superforça aérea dos Estados Unidos e Reino Unido bombardeava os palácios de Saddam Hussein e dos filhos, os prédios públicos, o Museu Nacional de Bagdá, não foi atingido.

Mundialmente conhecido como repositório de documentos e peças que remontam a cinco milênios, o museu sobreviveu ao bombardeio. Por sorte. Não por decisão. Porém não escapou ao saque, à pilhagem, ao vandalismo puro.

Indiferentes ao destino de obras raras e únicas, os marines, fuzileiros navais dos Estados Unidos, nada fizeram para impedir a destruição, a devastação do acervo, da coleção inigualável, após a queda de Bagdá.

O museu foi entregue a sua própria sorte. A pilhagem, o saque, imperou. O vandalismo, dominou. Hoje, o Museu Nacional de Bagdá é uma ruína. Lembrança do que foi

Peças foram pilhadas, documentos destruídos, arquivos jogado fora, móveis e equipamentos roubados.

Fachada do Museu Nacional de Bagdá, cujas obras históricas foram saqueadas por civis iraquianos

Fachada do Museu Nacional de Bagdá, cujas obras históricas
foram saqueadas por civis iraquianos. (Ozier Muhammad/The New York Times)

 

Devastado, saqueado, pilhado, destruído, o Museu Nacional de Bagdá contrasta com o Ministério do Petróleo, livre dos saques, protegido por tanques Abrams e fuzileiros à porta.

Para Bush/Blair, pouco importa a história da civilização ter nascido entre o Tigre e o Eufrates. Coisa de museu. O que conta é saber que o Iraque, depois da Arábia Saudita, é a maior reserva petrolífera do mundo.

E que todos os dados sobre essa reserva e outras informações sobre o petróleo estão nos arquivos do Ministério.

Pragmatismo é isso. Hospitais cheios, mortos aos milhares, mutilados sem conta. Ora, faz parte do jogo. Da guerra!

Enquanto Mr. Bush estiver são e salvo na Ala Oeste da Casa Branca ou em Camp David e Mr. Blair em Downing Street 10, o resto que se dane. Pimenta no rabo dos outros não arde.

Carlos von Schmidt
18/4/2003 14horas20