Botticelli em Paris

O Nascimento de Vênus
O Nascimento de Vênus

 

Se você tivesse que escolher entre uma pintura de Botticelli e de Leonardo, de qual escolheria?

Botticelli é aquele pintor da Renascença italiana. O que pintou O Nascimento de Vênus. Leonardo, o que pintou a Mona Lisa.

Botticelli nasceu em 1444 e morreu em 1510, em Florença. Leonardo nasceu em 1452, em Vinci, e morreu em 1519 em Cloux, França.

Botticelli tinha 22 anos e Leonardo 14 quando ambos freqüentaram o ateliê de Verrochio. Mestre, foi para Sandro e para Leonardo, exemplo e modelo.

A História da Arte deixa claro que Leonardo era um gênio. Quanto a isso não há dúvida. Mostra, também, uma quantidade de projetos não realizados e obras inacabadas. Revela que, para Leonardo, a técnica era secundária.

Para Botticelli, não. Sem técnica não havia pintura. Pintava com têmpera, técnica de pintura usada desde a Idade Média. Os pigmentos eram misturados a gema de ovo e cola. A tinta obtida era pintada sobre paredes ou painéis de madeira tratados com fina camada de gesso.

O resultado obtido é uma pintura em que a luz e a cor, claras, alegres, parecem sempre recém-pintadas.

A Primavera
A Primavera
 

A pintura a óleo começou a ser usada na Itália por volta de 1500. No norte da Europa, desde 1400.

Botticelli estava com 54 anos quando a pintura a óleo virou moda.

Recusou-se a pintar com óleo. Para ele a luz, a cor e o frescor, obtidos com a têmpera, superavam a transparência e o volume conseguidos com o óleo.

Considerado retrógrado, ultrapassado, pelos pintores que pintavam com óleo, Botticelli foi menosprezado, marginalizado. Ilhado. Fechou-se.

Hoje, graças a esse isolamento, à sua recusa em pintar com óleo, podemos apreciar O Nascimento de VênusA PrimaveraMarte e Vênus, pinturas em que Botticelli aparece radiante em seu esplendor de luz, cor, forma, beleza.

O mesmo não posso dizer da Santa Ceia de Leonardo. O tempo encarregou-se de destruí-lo. Do original, praticamente restou muito pouco. O que se vê é restauro em cima de restauro.

Ao pintar a Santa Ceia, Leonardo misturou várias técnicas. O resultado foi desastroso. O fundo não segurou a pintura. A tinta oxidou, craquelou, caiu. ASanta Ceia de Leonardo, a rigor, não existe mais.

No Museu de Luxemburgo em Paris, vinte pinturas de Botticelli, sem restauros, esboços e dois brocados, mostram o pintor que foi posto de lado por seus "modernos" contemporâneos renascentistas, por não pintar a óleo.

Cinco séculos passados, a modernidade de Botticelli não se limita à técnica. Impõe-se pela visão, pelo conceito, pela fabulação, pelo conteúdo e pela forma.

Ao meu ver é, de todos os renascentistas, o que mais se aproximou dos modernos do século passado. Suas figuras femininas têm tudo das mulheres de nosso tempo. Seu jeito de captá-las, desenhá-las, delineá-las, com finíssimos traços pretos foi, na Renascença, ousadia impensável.

Talvez isso explique o ostracismo.


Carlos von Schmidt
São Paulo, 9 de novembro de 2003 13 horas 40