Coca-Cola em Al Karmah

Joe apertou o corpo de Ann contra o seu. Ela estava por baixo. Deitada de costas no banco da pick-up Ford. Sentiu a coxa de Ann contra seu sexo. Duro. Latejante. A língua de Ann percorria-lhe o céu da boca. A boca de Ann cheirava a Tutti Frutti. O corpo a patchuli. Os mamilos de Ann, duros pressionavam seu peito. Ann não usava sutiã. Às vezes nem calcinha.
Abaixou as alças do vestido de jersey azul claro. Os seios de Ann eram pequenos. Cabiam na sua mão. Beijou-os devagar. Lambeu um deles. Chupou-o e passou-lhe a língua. Acabou de tirar o vestido. Os olhos azuis de Ann brilhavam.
Ann estava de calcinha preta. Rendada. Sorrindo Ann lambeu-lhe o rosto. Mordeu e enfiou a língua na orelha direita. Com a mão esquerda Ann ajudou-o a tirar a calçinha.

Passou a mão sobre o púbis de Ann. Sob os pelos ruivos acariciou o clitóris. Introduziu o dedo médio da mão direita na fenda apertada. Sentiu o calor e a umidade. Com o outro médio acariciou o anus de Ann. Cada vez que o tocava ele se contraía. Ann se retesava. Se arrepiava. Gemia.
Colou o corpo, o ventre, ao de Ann. Aos poucos, sem pressa, penetrou-a. Sentiu o sexo de Ann apertar o seu. Os movimentos lentos dos dois aceleraram-se. O prazer aumentou. Não dava mais para segurar. Ia gozar!
A explosão do obus foi forte. Joe acordou. O obus explodiu contra a dupla barricada de sacos cheios de areia. Protegiam a frente, as laterais e o fundo do fortim improvisado. Joe sonolento saiu do saco de dormir. Não estava de serviço.

A imagem de Ann nua, da pick up vermelha, do banco bege se misturavam com as das paredes do casarão semi-acabada, transformado em fortim pelos engenheiros da Golf Company do 2º Batalhão dos Marines. Era a casa de um rico empresário iraquiano.
Joe passou rápido do quase gozo à dura realidade de fuzileiro naval dos Estados Unidos na Guerra do Iraque. Estava há cinco meses em Al Karmah, na província d’al Ânbar, na saída ao sul, no oeste do país. Servia no fortim denominado OP3, Ô Pi Tri, Observation Post Three, Posto de Observação Três.
Um dos muitos postos avançados instalados a poucos quilômetros de Camp Fallujah, a grande base dos marines, na entrada da cidade rebelde, coração do triângulo sunita, feudo da resistência iraquiana.

Fallujah, em novembro de 2004 foi retomada pelos americanos a duras penas. Não foi fácil. A batalha foi sangrenta. O número de mortos de ambos os lados foi grande.
Joe sabe que a função dos fortins como o OP3 é proteger Camp Fallujah de ataques de morteiros. Impedir que guerrilheiros plantem minas nas laterais das estradas e no leito delas. Percorridas por carros de combate Humvee, tanques e caminhões que iam ou saiam da base.
Interceptar, deter e destruir eventuais carros-bombas, dirigidos por homens bombas suicidas, também faz parte das missões dos fuzileiros dos fortins. Patrulhar a área, dar combate à guerrilha, prender suspeitos, faz parte do dia-a-dia de Joe. É rotina.

Após a explosão, do alerta geral, da prontidão, de cada um assumir seu posto, Joe ouviu o ronco dos motores dos caminhões se aproximando. Era o comboio que avançava pela estrada, com os faróis apagados. Vinha de Camp Fallujah.
No carro de combate que o precedia marines observavam a estrada com óculos de visão noturna à procura de minas.
Das muitas armas improvisadas pelos guerrilheiros, a mina é a favorita. Usam obuses de 155 milímetros. Substituem a espoleta por um detonador e a mina está pronta. Poder destrutivo enorme.
Joe se lembrou de um Humvee que passou sobre uma delas com três marines a bordo. Não sobrou nada! Apenas pequenos pedaços de metal queimado e retorcido.
Os marines chamam as minas de IED, ai i di , Improvised Explosive Devices,Artefatos Explosivos Improvisados. Improvisados mas mortíferos.
A estrada que liga o OP3 a Faludja é chamada ironicamente pelos fuzileiros deIED Alley, Aléia dos ai i di , por ser uma estrada semeada de minas. Explodem e matam. Toda vigilância não impede que guerrilheiros minem as estradas. Cortam o arame farpado das cercas, cavam a estrada, enterram as minas e fogem.

O comboio vinha reabastecer o OP3 de água, comida e munições. Eram três horas da madrugada. A noite estava escura. Ventava. Fazia frio.
Sobre o fortim, em um mastro, a bandeira do Iraque tremula. Soldados iraquianos fazem parte da guarnição. São os joundis treinados pelos marines. A maioria é xiita vinda do sul do Iraque. Os sunitas os detestam. São inimigos tradicionais. Fuzis M16 na mão observam a chegada do comboio.
Joe pensou em Ann. Nos amaços na pick-up no Stagecoach Park. Nas pizzas no Fortune’s, no frango xadrez do Chelsea’s. Olhando a parede pintada de branco lembrou das casas colorida da pequena e tranqüila Oak Creek com seus 849 habitantes, da fachada azul da pizzaria, da vermelha do chinês, do céu azul, do verde dos carvalhos, do cinza escuro das montanhas, dos picos cobertos de neve.
Nasceu e cresceu em Oak Creek no Colorado. Só deixou a cidade para treinar com os marines. De Fort Drum, NY, foi direto para o Iraque. De Bagdá para Camp Fallujah. Da base americana para o OP3 em Al Karmah.
Joe é um típico americano. Tem 21 anos. É alto, um metro e noventa, magro, loiro, olhos azuis. Um caipirão simpático. Joe foi ver o estrago na barricada. O buraco era grande. No escuro joundis e alguns marines descarregavam o comboio.
Joe voltou para o saco de dormir. Tinha patrulha de manhã. Ia vasculhar as ruas, os becos de Al Karmah. As entradas e saídas da cidade. Ajeitou-se, dormiu.
Ao sair com a patrulha Joe observou que o buraco na barricada já estava fechado. Capacete na cabeça, colete com placas de Kevlar a prova de bala, camel
Back nas costas, bolsa de nylon, com água, que lhe permitia beber enquanto andava. M16 na mão, Beretta 9 milímetros no coldre, abria a coluna que avançava em formação de combate. Era o primeiro. Atrás vinham mais três. Seguidos por mais oito, em dois grupos de quatro, mantendo a mesma formação.
Avançavam sob o sol a pino. Forte. Lixo e sujeira cobriam a areia das ruas. Palmeiras empoeiradas surgiam aqui e ali entre as casa baixas do trajeto. Carneiros fuçavam o lixo. Cachorros latiam acompanhando a patrulha. Meninos jogavam bola. Ao verem a patrulha aproximam-se gritando: Raí! Raí! Mister!! Rai!
Sabiam que a patrulha quando passa sempre lhes dá balas, chicletes, chocolates.
Joe aprendera no manual dos fuzileiros que a presença de crianças significa segurança. Tirou do bolso pequenas barras de chocolate e distribui aos meninos. A patrulha avança uns dez metros. O estampido de dois tiros secos ecoou. Os fuzileiros se abrigam junto às paredes das casas, aos muros. Dedos nos gatilhos. Prontos para atirar. Os meninos correram para casa.

Joe observou a rua. Fez sinal para avançar. Ele e mais dois fuzileiros chegam à casa de onde partiram os tiros. O quarto marine lhes dá cobertura. A casa está vazia. Os vizinhos não viram nada. É a história de sempre. Ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém sabe nada.
A situação para Joe não é nova. Tem tudo de déjà vu, de já vivida. Estava vivendo uma cena de filme de guerra visto na televisão.
Mais a frente a patrulha parou. Uma explosão forte a duzentos metros quebrou o silencio do início da tarde. A patrulha seguiu em direção da estrada. Atenta. Pronta para o combate. Um burro detonara a mina. Estava morto, estraçalhado, coberto de sangue, os olhos fitando o céu azul.
A patrulha continuou em frente. Joe na cabeça da coluna. À medida que as casas foram ficando para trás e o areal cresceu tomando conta do horizonte, marcado por altas palmeiras, Joe pensou em Oak Creek, nas florestas, nos lagos, nas montanhas. Sabia, algo lhe dizia que voltaria a vê-las.
Esta história poderia ganhar maior dramaticidade, maior emoção, maior intensidade com Joe pisando em uma mina Sendo atingido por um tiro.
Seria um final infeliz, mas cinematográfico. Não houve mina nem tiro. Não era à hora de Joe morrer. Não estava escrito.
No Fortune’s, ao lado de Ann, Joe comeu um pedaço de pizza à calabresa. Tomou um gole longo de Coca-Cola com gelo triturado. O gosto da Coca-Cola o levou a Al Karmah. Ao sol inclemente, à areia quente, aos meninos gritando Rai! Rai! Mister! Raí!
São Paulo 3 de janeiro de 2006 12h13’ Carlos von Schmidt