Grafiteiros em alta

Keith Haring, Sem título 1982 (Copyright - The State of Keith Haring)
Keith Haring, Sem título 1982
(Copyright - The State of Keith Haring)

 

Há grafiteiros e grafiteiros. Os primeiros não são meros pichadores de paredes, de prédios, de vagões de metrô e monumentos. Os segundos são exatamente isso. Borra tintas.

O que fazem, a meu ver, não tem o menor significado. Vê-los como artistas, como legítima expressão artística contemporânea, para mim é difícil. Não consigo.

Da mesma forma que os ignoro, reconheço um grafiteiro como Alex Valauris, aqui em São Paulo, e Basquiat e Haring, em New York.

Basquiat, à medida que conquistou seu lugar ao sol, ao contrário de Haring, que sempre se orgulhou de ter começado desenhando nos espaços dos outdoors dosubway de New York, não gostava de ser lembrado como grafiteiro.

Sempre brigava com entrevistadores que perguntavam sobre seus grafites ou faziam menção ao grafitti. Perdia a esportiva e dizia que era um artista, não um grafiteiro.

Na verdade, sua pintura não existiria sem a experiência das ruas. Gostava de citar Jean Dubuffet e Cy Twombly como influências, revelando que ambos eram responsáveis por sua "bad painting".

Jean-Michel Basquiat, Saint
Jean-Michel Basquiat, Saint

 

A distância que separa a pintura de Dubuffet e Twombly da de Basquiat, em anos luz, é uma enormidade.

Haring, que jamais assumiu ares de prima dona e jamais se considerou o Picasso, o pequeno Rimbaud, negro, filho de um desenhista de HQ, história em quadrinho, cartoon, cresceu vendo o pai desenhar. Seguiu-lhe a pegada.

“My father made cartoon. Since I was little I have doing cartoons, creating characters and stories.” “Meu pai fazia HQ. Desde menino eu fazia HQ, criava personagens e histórias.”

Keith Haring, Sem título 1981 (Copyright - The State of Keith Haring)
Keith Haring, Sem título 1981
(Copyright - The State of Keith Haring)
 

Sem necessidade de se auto-afirmar como Basquiat, Haring chegou às galerias, aos colecionadores, aos museus, via subway.

Um de seus biógrafos e interlocutor, John Gruen, conta a saga do artista nosubway desenhando com giz nos espaços vagos dos outdoors, cobertos de papel preto, ao lado de anúncios de publicidade da Penthouse, Volkswagen e outros.

O medo de ser pego e preso pela segurança do subway sempre o atormentou. Isso não o fez parar e também não afetou a qualidade do desenho.

Em 88, Haring descobriu que estava com Aids.

No verão daquele ano, em South Hampton, Henry Geldzahler, curador e crítico de arte, falou-me de Haring e de sua doença.

Para ele, por trás da aparente facilidade inventiva de Haring, havia muito conhecimento visual e sofisticação.

Keith Haring morreu em 16 de fevereiro de 1990. Aids. Tinha 31 anos. Basquiat em 12 de agosto de 88. Overdose de heroína. Tinha 27 anos. Warhol, em 22 de fevereiro de 87. Depois de uma operação de vesícula. Tinha 57 anos.

Em quase três anos os Estados Unidos perderam três artistas tipicamente americanos. Artistas que fizeram de Manhattan, New York, referência permanente. Da vida de sua gente, rica, famosa, pobre, miserável, ponto de partida ou de chegada.

Hoje, o Centro Cultural do Banco de Brasil de São Paulo abre exposição de fotos polaróides de Andy Warhol e pinturas e desenhos de Keith Haring.

Coincidentemente, no mesmo horário em Bagnolet, França, será o vernissage deKosmopolite, grande mostra que reúne grafiteiros do mundo inteiro.

Vai até dia 7. Patrocinada pela prefeitura. Que sabe separar, e separa, o joio do trigo. E joga o joio fora. Com força!

Carlos von Schmidt
1º de junho de 2003 22horas 10