Guerreiros na Oca

Há duas versões sobre o descobrimento dos guerreiros de terracota em Xi'An, antiga capital da China há 22 séculos. A primeira diz que foi em 1973 que os guerreiros foram encontrados. A segunda, em 1974.
À primeira vista, pode parecer que não faz a menor diferença. Faz. Muita. Mao ainda estava vivo. A Revolução Cultural (1966 – 1976) não tinha, pela China dos imperadores, o menor interesse. Desprezá-la, ignorá-la, minimizá-la, fazia parte da ideologia cultural revolucionária.
Mao morreu em 76. Seus herdeiros políticos, conhecidos como a Camarilha dos Quatro, caíram naquele ano. Seu sucessor, Deng Xiaoping, menos radical, não ignorou, não execrou o passado.

Além de não desprezar os tesouros históricos da China imperial, Deng Xiaoping abriu as portas da China. No quarto de século que passou, a China que a Revolução Cultural procurou apagar da História, voltou a existir, a significar.
Graças a essa postura política esclarecida , exposições como China: Os Guer-
reiros de Xi'An e os Tesouros da Cidade Proibida, fruto do hercúleo esforço e determinação de Edemar Cid Ferreira e equipe da BrasilConnects, possibilitam nosso contato com a China que a funesta Revolução Cultural de Mao fez tudo para apagar, denegrir.
Tomei conhecimento dos Guerreiros de Xi'An no início dos anos 80. Dez anos depois, no Japão, quase fui vê-los. Faltou pouco. Sempre pensei nos guerreiros do imperador Qin Shi como a essência pura do surreal.

Sete mil guerreiros, personalizados, diferenciados por seus uniformes, e cavalos, todos em tamanho natural, moldados em argila cozida. Terracota. Carros de madeira. Armas de bronze.
Enterrados a quatro metros de profundidade, há 2200 anos, a 1500 metros ao leste do mausoléu, da tumba do imperador.
Um imperador que se determinou a fazer da China uma nação e o fez na ponta da espada. Cruel. Um imperador que não era imperador e se fez imperador denominando-se Huangdi, que significa Primeiro Imperador.
Napoleão o imitou em 1804, sagrando-se imperador. Mas não conseguiu fazer da França o que Qin Shi fez da China em 221 a.C.
Sensação estranha ver na Oca de Niemeyer estes onze guerreiros e esses dois cavalos em vitrines de vidro. Saber que 22 séculos nos separam. O surrealismo do encontro, do cara a cara não tem limites.
Esperei vinte anos para encontrar esses guerreiros. Vê-los protegidos em suas caixas de vidro quebrou o encanto, mas não diminuiu o espanto. Não é todo dia que um guerreiro chinês de argila queimada encara você.
Será que algum dia saberei por que Qin Shi ordenou a moldagem de seus guerreiros e cavalos? Moldagem que durou 36 anos? Na China, os cavalos desempenharam importante papel militar e chegaram ao astronômico número de quinhentos mil.
O que o levou a não sacrificar os guerreiros e cavalos como tradicionalmente se fazia?

A exposição que a BrasilConnects está apresentando na Oca é ampla e rica. Além dos guerreiros, mostra os tesouros da Cidade Proibida. Mas, a mim só interessaram os guerreiros.
É claro que vê-los em Xi'An, nas trincheiras de 60 x 230 metros, deve ser outra coisa. Os onze que estão na Oca deram-me a dimensão e a grandeza do que está em Xi'An. Quem sabe um dia ainda verei?
Carlos von Schmidt
24/2/2003 20h