King Kong: Gorila e Lingüiça

Desde a semana passada King Kong está nos cinemas de São Paulo, do Brasil e do mundo. 3568 telas. A popularidade do gorila deixa a de astros e atrizes famosas, no chinelo.

Dirigido por Peter Jackson, neozelandês que dirigiu a premiada trilogia Senhor dos Anéis, mestre em filmes de aventura e terror, King Kong é a materialização de uma idéia que começou há 35 anos em 1970, quando Jackson viu na televisão de Pukerua Bay, sua terra natal, o King Kong original de 1933. Jackson nasceu em 31 de outubro de 1961. Dia de Halloween.
“It had such a profound affect on me as a 9 years old, that it made me want to make films. The next day I get my parents super 8 movie camera and started to do stop-motion animation with a clay dinosaur.”

Jackson diz que tinha nove anos quando viu King Kong. O impacto foi muito grande. Fazer filmes passou a ser sua meta. No dia seguinte pegou a super 8 dos pais e começou a fazer animação, filmando quadro a quadro, um dinossauro de barro. Foi assim que começou seu interesse por Kong. Pelo cinema.
Três anos depois resolveu fazer o seu King Kong. Construiu um boneco com arame e pedaços de lata. Vestiu-o com pedaços de um casaco de pele. Não sei se a mãe de Jackson autorizou. Só sei que pedaços do casaco viraram os pelos de Kong.

Gorila pronto Jackson colocou-o sobre uma caixa de papelão que fazia às vezes do Empire State Building e começou a filmar. Depois de algumas tomadas chegou à conclusão de que não tinha condições de fazê-lo. Parou. Mas, sabia que um dia filmaria King Kong.
Em 1996 a Universal pediu-lhe um roteiro sobre King Kong. Jackson foi fundo. Trabalhou meses escrevendo-o. Nesse ínterim Godzilla e Meu amigo Joe, ambos com gorilas, foram lançados.
A Universal, preocupada com o lançamento, engavetou o projeto. Jackson ficou arrasado. Custou a aceitar a decisão do studio. Acabou aceitando. Mergulhou de cabeça na produção de Frightners e Forgoten Silver. Escreveu os roteiros, interpretou personagens, dirigiu.

Três anos depois a Universal aprovou seu projeto para The Lord of the Rings, O Senhor dos Anéis. Escreveu o roteiro e dirigiu os três filmes que compõem a trilogia. Fez esporádicas aparições nos três.
O Kong de Jackson
Depois do sucesso de bilheteria e de crítica da trilogia a Universal viu que a hora de King Kong havia chegado. Era a hora de Jackson.
Embora tenha alterado algumas características de certos personagens, acrescentado novas situações, novos animais, basicamente Jackson permaneceu fiel ao original de 1933, de Merrian Cooper e Ernest Schoedsack.
Dino de Laurentiis não. Sua versão de King Kong de 1976, a meu ver, deixa a original e a de Jackson longe. Os fãs do primeiro King Kong e os de Jackson vão achar que pirei. Não pirei, não!

Tanto de Laurentiis como Jessica Lange após o lançamento foram alvos de críticas superficiais e medíocres. Foram massacrados! Achincalhados. Ridicularizados.
Houve críticas como a de Emerson Baldorff que, entre outras coisas, dizia: “The new version substitutes the World Trade towers for the Empire State Building, and what kind of phallic symbol is that?”.
“A nova versão mostra as torres do World Trade no lugar do Empire State Building, e que tipo de símbolo fálico é esse?”
É de se perguntar que tipo de crítico é esse preocupado com o simbolismo fálico do Empire State? Esqueceu que de Laurentiis associou as torres do Trade Center a duas altas montanhas da Ilha da Caveira. Deixou isso claro. Quando Kong vê as torres vê as montanhas. Escalar as torres não tem nada a ver com simbolismo fálico. Nem com Freud.

Outro, Vincent Canby, crítico de The New York Times, também não gostou da substituição do Empire, pois achava que “the World Trade Center is a very boring piece of architecture. The Empire State Building is not”.
“O World Trade Center como arquitetura é muito chato. O Empire Statet Building não é.”
Além de não gostar da troca do prédio, Canby não gostou da modernidade, da desenvoltura, da desinibição da personagem interpretada por Jessica Lange.
Na vida real Jessica era modelo de moda. King Kong foi sua estréia no cinema.

Para Canby de Laurentiis e companhia “transformaram uma heroína convencional em uma pseudo-Marilyn Monroe, personagem que parece mais abobalhada do que definitivamente tonta, agressiva, desagradável e fora de lugar neste tipo de filme”.
As criticas ao filme de de Laurentiis, com exceção da escrita por Pauline Kael naThe New Yorker, revelam que os críticos americanos não admitiam uma refilmagem que não respeitasse o roteiro original de Cooper e Edgar Wallace.
Além disso, não podiam aceitar que um diretor italiano, um europeu e não um norte-americano visse Kong com olhos novos. Que produzisse um filme que mostrava que os interesses petrolíferos estavam acima de qualquer outro. Que deixava explicito que em função da bilheteria, do show business, valia tudo. A história que de Laurentiis conta extrapola a do gorila. Vai mais além.
Para escrever sobre o King Kong de Jackson revi os dois Kong em 22 de dezembro. O filme de de Laurentiis parece ter sido feito ontem. É atual. Contemporâneo. O de Cooper e Schoedsack é um filme velho, datado, ultrapassado. Historicamente válido. Mas só.

Ao contrário do que disse Jackson de que seu filme “não é uma história de amor, mas um filme sobre o amor”, de Laurentiis deixou claro que seu filme é uma história de amor.
Brilhantemente vivida por Jessica Lange, belíssima e sensual como Dwan e Rick Baker, como Kong. Um gorila que se apaixona por uma jovem branca, loira, que se comunica com ele, olhando nos olhos. Os de Lange são azuis. Os de Kong, castanhos escuros. Aqui, olhos nos olhos, faz a diferença.
Baker não era ator. Era maquiador. Foi ele que criou e fez a malha de pelos que cobre Kong. As máscaras de borracha, seis ao todo, as mãos e os pés foram criados por Baker, Carlo Rambaldi e Glen Robinson.

Os três são responsáveis pelo gorila. Pelo tamanho, movimentação, expressão facial. E pelos outros animais pré-históricos, dinossauros, tiranossauros e outros bichos mesozóicos da Idade da Pedra.
Entre o gorila de Cooper e o de de Laurentiis, a diferença é brutal. O de de Laurentiis está anos luz à frente. Só será superado pelo de Jackson, informatizado, produzido digitalmente sobre a interpretação, movimentos e expressões do ator Andy Serkis.
Captados por sensíveis sensores, quase trezentos, aplicados à cabeça, face, corpo e membros de Serkis. Armazenados e trabalhados no computador.
Quatrocentos e cinqüenta especialistas em computação gráfica digital trabalharam para desenvolver os efeitos especiais e os cenários.
Para os da floresta foram feitas cinqüenta e três miniaturas. Para os de, Manhattan e Queens, uma miniatura de 38 metros, tridimensional, reproduziu a New York dos anos 30, com fidelidade absoluta.

O Kong de Jackson, orçado pela Universal em 150 milhões de dólares, foi a 175 e acabou custando 207. O de de Laurentiis custou 25 milhões de dólares.
As três histórias datadas de 1933, 1967 e 2005 têm um fio condutor comum, a Ilha da Caveira e Kong. Na primeira versão, Ann interpretada por Fay Wray, reage ao gorila aos berros. Enquanto Kong a mantem presa, berra sem parar. Seus gritos agudos deram-lhe o apelido de “scream queen”, “rainha do grito”. É o que melhor faz, gritar.
Nas duas outras versões, as mocinhas, Jessica Lange e Naomi Watts, felizmente não gritam histericamente. Interagem com Kong falando suavemente. Tentando acalmá-lo. Conquistá-lo para sobreviver. Ann (Jessica Lange) chama Kong de “besta selvagem, macaco porco chovinista”.
Na ilha da Caverna, na Indonésia, as feministas se faziam ouvir.
O Kong de Cooper e de Schoedsack dura 100 minutos. Uma hora e quarenta minutos. O de de Laurentiis, 134 minutos. Duas horas e catorze minutos. O de Jackson 187minutos. Três horas e sete minutos. Vi na véspera de Natal.
O filme de Jackson peca pelo excesso. Uma hora a menos não faria a menor diferença. Há muito que cortar. Gongórico, prolixo, Jackson poderia ter feito um filme genial. Fazer jus aos dezessete Oscars que exibe sobre a lareira. Não fez!!!
Fez um filme longo, encheu lingüiça, exagerou em tudo. Há quem goste dos exageros de Jackson. Eu não!!! Esperei ansioso pelo The End. Finalmente acabou. Espero não ter que vê-lo outra vez.
Talvez por essas e outras o King Kong de Jackson não está na lista dos dez melhores filmes de 2005, do crítico Stephen Holden de The New York Times, publicada durante o Natal. Ficou claro que tamanho não é documento. Orçamento milionário também não.

Não vou a cinema para ver efeitos especiais. Vejo-os na televisão. E basta.
Falei muito de Jessica Lange, nada disse de Naomi Watts que interpreta Ann Darrow. Sua presença é marcante. Realçada por seus grandes olhos castanhos. Às vezes arregalados, quase sempre envolventes. Das poucas coisas boas do filme, Naomi é uma delas.
O que vai acontecer com o King Kong de Jackson? Será um recorde de bilheteria? Provavelmente sim. Quantos Oscars receberá? Sem dúvida, alguns. Afinal a Universal não investiu 207 milhões de dólares pelos belos olhos de Jackson. Aos dezessete da lareira, Jackson acrescentará outros. Isso, porém não vai tornar seu King Kong melhor. Menor.
São Paulo 26 de dezembro de 2005 15 horas 34’ Carlos von Schmidt