Noite Feliz

Fita cassete serigrafia 70 x 100 cm
Fita cassete  serigrafia 70 x 100 cm

 

O título acima não tem nada a ver com o Natal. Tem com a noite em que a galeria Val de Almeida Jr., rua Artur de Azevedo, 613, abriu a exposição de serigrafias de Guto Lacaz, denominada pequenas grandes ações.

Há muito tempo não via um vernissage com gente curtindo as obras nas paredes como vi na Val de Almeida. Na noite anterior presenciei exatamente o oposto em rica galeria da Oscar Freire. Brutal o contraste.

Último dia do mês, terça-feira, a Val estava abarrotada. Nas paredes, 12 serigrafias revelavam que Lacaz continua a nos intrigar, mostrando-nos o óbvio de todo dia.

Desta vez tirou de sua cartola de mágico, do seu bolso do colete, desenhos que ilustram o manuseio de objetos e aparelhos do nosso cotidiano.

Ampliou-os 50 vezes, retocou-os à mão e digitalmente, imprimiu-os em serigrafia com até oito cores em papel Rives Tradition – Extra Blanc 320 gramas, no formato de 70 x 100 centímetros em edições de 50 unidades.

Caixa de fósforos serigrafia 70 x 100 cm
Caixa de fósforos  serigrafia 70 x 100 cm

 

Simples, não é? Na verdade, não é tão simples assim. Warhol era mestre nisso e por isso foi Warhol.

Guto segue na mesma direção. Só que São Paulo não é New York e a cidade não está disputando com Paris o mercado de arte internacional.

Nem tem a máquina publicitária dos americanos. Não fala inglês. Falado e lido mundo afora.

Alem disso, o governo brasileiro não está minimamente interessado em artes plásticas como o dos Estados Unidos esteve e está.

Cego, só tem olhos para o cinema e o teatro. Mais, não vê. Sofre de glaucoma crônico. Demagógico, acredita que a nossa miséria deve ser esfregada na cara do mundo através do cinema para que ele nos compreenda melhor.

Raciocínio de 3º, 5º mundo. De subdesenvolvido, de colonizado. Demonstra que a burrice não é privilégio da direita.

Giroscópio serigrafia 70 x 100 cm
Giroscópio  serigrafia 70 x 100 cm
 

Voltando às serigrafias. O inusitado está na seleção do tema, na valorização do prosaico, da trivialidade que caracteriza os prospectos que acompanham os mais variados produtos.

Guto observa que todos os desenhos parecem feitos pela mesma mão, o que revela a existência de um inconsciente industrial coletivo.

Acima, quando falei de Warhol, me veio a mente uma pintura em que Andy mostrava como aprender a dançar.

Vi essa obra no Museu de Arte Moderna de Frankfurt, em 1990. Dance Diagram – Tango. Pintado em 62. Acrílica sobre tela.

Os passos do tango são demonstrados através da esquematização da sola de sapatos, marcadas com E e D, esquerda e direita com todas as indicações de para direita, para esquerda, para frente, para trás, numeradas, indicadas por setas.

Quarenta e um anos depois, Lacaz nos surpreende com suas serigrafias refazendo o gesto de Colombo colocando o ovo em pé. Coisa de gênio. De mágico.


Carlos von Schmidt
São Paulo 1º de outubro de 2003 5,30 da madrugada