Objetiva Almodóvar

Angela Paz, el Ángel Azul
Paz Vega, el Ángel Azul

 

Ao pesquisar Almodóvar na Internet encontrei no seu site exposição de fotografias feitas por ele durante a filmagem de “Hable com ella”“Fale com ela”.

Noventa e oito fotos mostram o que Almodóvar viu além do filme que dirigiu. São fotos tipo “anotações”. Isto é, daquelas que todo artista faz, escrevendo, desenhando, fotografando, falando no gravador enquanto cria, produz.

“Anotações” que lhes são muito úteis, não só como memória, mas sobretudo como a visualização de frozen moments, momentos congelados, captados, de pessoas, situações, ações, sentimento e coisas.

Javier e Darío no locutório
Javier e Darío no locutório
 

Vi as noventa e oito fotos com maior e menor prazer. É claro que é curioso ver como Almodóvar fez o filme dentro do filme, “Amante Minguante”“Amante Encolhido”.

Como construiu os seios, o púbis pentelhudo, a vagina, do corpo que o liliputiano amante percorre vencendo longas distancias e penetra.

Não gostei de ver como foi feita a cena em que Lydia, (Rosário Flores) a toureira é mortalmente chifrada. A beleza e a violência da cena, ponto alto do filme, com a foto, se esvaziou.

Sabemos que tudo é de mentirinha, mas faz parte da magia do cinema não revelar os truques como aquele mágico, Mister X, fazia. Acho!

Não só vi as fotos como também traduzi o texto que Almodóvar escreveu sobre“Objetiva Almodóvar”. Oportuno e esclarecedor revela um Almodóvar desconhecido: fotógrafo.

Almodóvar fotógrafo

Meu interesse por fazer fotos nasceu e se desenvolveu na minha maturidade, acredito que, porque agora estou mais consciente do tempo e do poder das imagens fotográficas para captar e eternizar.

Ainda que meu trabalho esteja baseado em imagens com som e movimento, para anotar, ensaiar, localizar ou levar um diário, sempre preferí a fotografia ao vídeo ou à escrita.

Isso não me converteu em um fotógrafo, do mesmo modo que um datilógrafo não é um escritor por datilografar 200 letras por minuto. Nos últimos anos fiz milhares de fotos de objetos, situações cotidianas.

Três mulheres
Três mulheres
 

Às vezes, simplesmente me posicionava em frente ao espelho e disparava. Não o faço pensando só no futuro, para mim também é um modo de viver o presente sem que nisso haja o menor narcisismo.

Fotografo os lugares da minha casa, a paisagem que se vê da janela há anos, com muito poucas mudanças, a não ser as das estações do ano e de alguns fenômenos meteorológicos ocasionais.

Os interiores dos milhares de hotéis em que me hospedo, mesmo que sejam feios. Meu reflexo nos cristais das janelas e o que se vê através delas.

Às vezes, fotografo minhas roupas. As das pessoas que compartilham de minha vida, suas marcas nos móveis, os objetos, minha sombra no solo, a silhueta de uma cabeça no corpo de um amigo.

E claro, quando rodo um filme, faço fotos de todas etapas. Não só me relaxa como se convertem nas melhores anotações para as equipes de vestuário, maquiagem, cabeleireiro, cenário, fotografia, produção etc.

Assim como quando nasce um bebê, os pais o crivam com fotos durante os primeiros anos, eu tento captar a evolução dos múltiplos elementos que compõem um filme. 

Desde o primeiro dia de preparação, o filme está vivo, cresce diante de seus olhos com a força de um milagre ou de uma catástrofe. E como não me fio em minha memória, gosto de dispor de algum outro testemunho: fotos e mais fotos. Só necessito um dedo, uma câmera e um lugar de onde olhar.

Durante a filmagem, o diretor ocupa um lugar no cenário em que não cabe ninguém mais, às vezes nem mesmo ele não cabe. Assim, as fotos que faz o diretor são únicas, porque ninguém vê o que ele vê do lugar em que vê.

Eu não sou dos que passam o período de filmagem sentado na cadeira que tem meu nome marcado. Quando me sento frente ao vídeo, é sua tela e toda sua estrutura o que se converte em objeto da minha objetiva.

Amante encolhido
Amante encolhido
 

Adoro todos os suportes onde se multiplica a imagem que se está filmando e tudo o que cerca essa imagem. O cenário feito um caos, exceto o que a câmera enquadra, toda a parafernália da equipe de fotografia, autêntico cenário independente e abstrato que se mistura por acaso com a imagem dos atores e a ação que representa.

A combinação aleatória de todos estes elementos cria imagens extraordinárias e, em muitas ocasiões, mais formosas, surpreendentes e expressivas do que as do próprio filme.

Eu procuro captar as que meu escasso tempo livre me permite. Elas compõem esta mostra que nunca pretendeu ser exposição de arte fotográfica, (eu, entretanto, não sou fotógrafo) senão testemunho parcial e casual de uma filmagem. A de “Hable con ella”.

Aproveito a generosidade da FNAC para compartilhar humildemente, porém fascinado, o privilegiado lugar que ocupo quando filmo.

Pedro Almodóvar

Tradução e texto final
Carlos von Schmidt

O peitoral
O peitoral

Cena da chifrada
Cena da chifrada

Caetano canta Cucurrucucú
Caetano canta Cucurrucucú

Auto-retrato
Autorretrato


Carlos von Schmidt
28.12.2002. 17,20h

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