Off Bienal 2

A Off Bienal 2 ficou aberta 30 dias. De 5 de outubro a 5 de novembro. O público compareceu em massa. Principalmente nos finais de semana. Em Veneza, durante a Bienal Internacional é feita mostra paralela, denominada Aperto, no Arsenale, com recursos da própria Bienal.
Aqui no Brasil não. A Bienal é a Bienal e acabou. Carlos von Schmidt, que idealizou e fez a curadoria da Off Bienal 1 e da Off Bienal 2 sabe disso.
Foi curador da 15ª e da 20ª Bienal de São Paulo, em 1979 e 1989.
Leia abaixo o que perguntei e o que ele respondeu sobre a Off Bienal 2, segurança nos museus e galerias e outros assuntos . Rita Feital

artes: O que mudou da Off Bienal 1 para a Off Bienal 2?
Carlos von Schmidt: Tudo mudou. Passaram-se dez anos entre a primeira e a segunda. Eu mudei. Na primeira havia o inédito. Havia patrocinador. Na última, a experiência dos últimos dez anos que ajudou muito. Verba, nenhuma. Ouvi dizer que a Bienal custou 17 milhões de reais, uma fábula! Com esse dinheiro eu construiria um museu hiper-moderno. Ambas foram exposições em que reunimos pintores, escultores e instaladores. Na Off Bienal 2 a novidade foi o desenho, a fotografia e a informática.
artes: Foi difícil fazer a Off Bienal 2?
CvS: Foi. Apresentei em março, pessoalmente, o projeto Off Bienal 2 para o Memorial da América Latina e para o Mube. Fui informado por telefone que deveria esperar a Comissão de Arte do Memorial se reunir. Esperei em vão até julho. Não sei se a comissão se reuniu ou não. Até hoje, 20 de novembro não recebi nenhuma resposta. Não se deram ao trabalho de responder ao e-mail que enviei a respeito do projeto em março. Nem aos inúmeros recados deixados em uma secretária eletrônica, durante meses. Um descaso total. E a verba do Estado para o Memorial sai dos nossos bolsos, dos inúmeros impostos que pagamos. Felizmente em agosto o Mube abriu espaço. A Off Bienal 2 estava programada para abrir na primeira semana de outubro. Não houve tempo hábil para a captação de recursos. Fizemos a Off Bienal 2 sem patrocínio. Houve uma boa vontade enorme. Os artistas encarregaram-se de trazer ou enviar suas obras. O convite, o folder foi gentileza do Flávio Lauria da Copy Press. Todo trabalho de bureau, de webdesign colaboração da Sônia Skroski da Boca no Mundo, O André Blau da nova André galeria nos cedeu e transportou obras de onze artistas. Facilitou muito nosso trabalho.
Todas as outras colaborações foram gentilezas e delicadezas de todos que acreditaram na proposta da Off Bienal 2.

artes: A Off Bienal 2 não teve catálogo?
CvS: Não houve catálogo porque não tínhamos verba para isso. Conseguimos fazer um folder, Reproduzimos uma obra de cada um dos 53 artistas. Imprimimos 2500 exemplares. Não sobrou nenhum.
artes: O que significou a Off Bienal 2 para o Senhor?
CvS: Resumo em cinco palavras: contemporaneidade, modernidade, diversidade, originalidade e multiplicidade.
artes: Como foi a seleção dos artistas? Teve algum artista que o Senhor gostaria de ter convidado?
CvS: Selecionar significa escolher. E escolher não é fácil. De modo geral, seleciono artistas para exposições a partir do contato que tenho com eles e com suas obras. Alguns artistas que gostaria que estivessem nesta Off Bienal 2 não estão pela falta de contato e distância. Isso não impediu que tivéssemos as fotografias da Britta Pimentel, de Hamburgo, na Alemanha, as pinturas do Sergio Ferro de Grenoble, na França e do Alessandro Giusberti, de Bolonha, na Itália. De Porto Alegre vieram as pinturas de Erico Santos, de Curitiba, escultura de Cláudio Alvarez. De Campo Grande as pinturas de Ari Correa Jr. e Isaac de Oliveira. De Belo Horizonte a pintura de Thereza Portes. Infelizmente não consegui entrar em contato com o Siron Franco. Uma pena!
artes: Porque a Off Bienal 2 foi feita 10 anos depois da 1ª?
CvS: Por que antes eu não tive condição de fazê-la.
artes: O senhor pensa na Off Bienal 3? Quem o senhor convidaria e o que mudaria?
CvS: Comecei a pensar na Off Bienal 3 assim que terminou a montagem da Off Bienal 2. Com certeza convidarei artistas que participaram das duas mostras. Além de novos artistas. Acredito que a performance também estará presente na próxima. Isso significa que o espaço para a Off Bienal 3 será muito maior.
artes: Valeu a pena fazer a Off Bienal 2?
CvS: Valeu!!! Foi bom ver a reação positiva dos artistas no vernissage. A cobertura na imprensa, no rádio e na televisão. Como diria Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

artes: O jornal artes: foi um dos patrocinadores da Off Bienal 2. E em novembro comemorou 41 anos. Como é manter um jornal por tanto tempo? Qual momento nestes 41 anos deu ao senhor maior satisfação? O senhor acredita que o jornal artes: conquistou seu espaço e atingiu seu objetivo?
CvS O Dalai-Lama pensaria bastante antes de responder e diria: boa pergunta. Seria muita pretensão e arrogância achar que conquistamos e atingimos o nosso objetivo, o nosso espaço. Estou feliz, estou contente como tenho escrito por estar realizando um trabalho que me gratifica muito.
Nunca tive pretensão de ser um jornal, uma revista, como muitas que andam por aí com tiragens de dezenas de milhares de exemplares. Acreditei e acredito como dizia Mies van der Rohe, que “menos é mais”.
O artes: está na Internet desde 2002. O departamento de estatística da Locaweb nos informou que em outubro o artesdoispontos.com foi acessado por 545 pessoas por dia. 16.350 pessoas por mês. Do Brasil e do exterior. E vai aumentar. Isso é muito bom. Satisfação é isso.
artes: Qual sua opinião sobre a 27 Bienal Internacional de São Paulo?
CvS: Ainda não fui ver a Bienal. Irei assim que puder.
artes: Qual é a sua visão do panorama da arte moderna e contemporânea brasileira e da internacional?
Cvs: Ampla. Muito ampla. As duas caminham mais rápidas do que as Bienais podem mostrar. Além disso, não há possibilidade de mostrar o que acontece no Brasil e no exterior em um evento bienal. É impossível. Pode-se mostrar um pouco, não mais do que isso.
artes: Qual a sua opinião sobre a política cultural no segundo mandato do governo Lula?
CvS: No primeiro, houve? Se for igual a do primeiro não haverá absolutamente nada. Muito nhê, nhê, nhê, muita viagem para Paris, um show do Gil aqui, outro ali, muita samba e mais nada.
artes: O senhor está atuando como conselheiro e membro da Comissão de Arte do MuBE. Como é este trabalho?
CvS: As dificuldades são muitas. A falta de recursos enorme. Procuramos solucionar através de criatividade e empenho.

artes: Quais são seus novos projetos, exposições e livros?
CvS: Vários. Acho prematuro falar deles. Quando estiverem aprovados divulgarei.
artes: Gostaria de saber sua opinião e de como resolver o problema da segurança nos museus e galerias?
CvS: A solução do grave problema da falta de segurança nos museus e galerias é fácil. Depende exclusivamente da vontade de eliminá-la e de dinheiro para isso. Com os dois resolve-se rápido. O problema deixa de existir. O MoMa, o Beaubourg, o D’Orsay , a Tate de Londres, não têm esse problema. Em 73 estagiei nesses e em outros museus dos Estados Unidos e da Europa. O que fazemos aqui é inconcebível. Inimaginável!!! Estamos cada vez mais descuidados. Fiquei perplexo ao ver na exposição do Degas no MASP, pinturas de Picasso, Gaugin, Cézanne e outros grandes nomes, sem a menor proteção, ao alcance da mão de quem quisesse danificá-las. Irresponsabilidade museológica total. Os guardas à distância não tinham a menor condição de impedir qualquer vandalismo. Poderiam prender o eventual agressor, mas a tela já estaria danificada, cortada, furada, rasgada, manchada. Telas que valem milhões de dólares exposta ao alcance de qualquer idiota.

artes: Durante todos esse anos de trabalho, em contato com vários artistas, museus e galerias do Brasil e do exterior, sua concepção de arte mudou?
CvS: Mudou!!! Mudou da água para o vinho. Fui da tipografia para o byte. De Gutemberg a Bill Gates. Voltando no tempo, isso significa ir da Sistina ao computador. De Michelangelo ao Bill Viola.
artes: O que a idade, a maturidade trouxe? O que o senhor mudaria?
CvS: Vou citar o Dalai-Lama outra vez. A pergunta pode ser respondida de mil maneiras. Poderia dizer que a idade trouxe maturidade, experiência e sabedoria. Que a idade dignifica. Na verdade não é bem assim. A idade é artrite, dor na coluna e outras dores, comprimidos matinais diários, “não pode isso, não pode aquilo”, ouvir Dr. Lublinsky dizer, “Lembre-se Carlos, você não tem mais 20 anos!”. Mas, com todas as limitações, continuo a tomar meu copo de vinho diário no almoço, a comer coisas que gosto, a curtir muito a vida.
Lembro-me de Dylan Thomas revoltado com o silêncio do pai frente à morte que se aproximava. “Grite, berre, reclame, xingue, não vá embora quieto assim”. É por aí.
Neste país em que a maioria jovem foi esmagadora, não é mais, graças a Deus, ter mais de 50 anos significa ser carta fora do baralho. Imagine ter mais de 70, que é o meu caso? Não foi nem uma nem duas vezes que me senti olhado como sucata, coisa velha. No Goethe, com raríssimas exceções, meus colegas de classe me olhavam como se um fosse um Matusalém, jurássico, um ET. Eu tinha 70 anos. Mês que vem faço 77. Já separei o Veuve Cliequot.
Prefiro dizer que a idade limita muito. Se você não tiver uma cabeça boa, você dança. Ainda não inventaram um Viagra para o cérebro. Diria que a idade lhe dá uma medida, preparando-o para o fim. Vá de retro coisa ruim!!! O que eu mudaria? A passagem do tempo. Nada mais.
artes: A experiência pode gerar acomodação. O que o senhor faz para não se repetir?
CvS: A exemplo de Picasso procuro estar aberto para o mundo e jamais me tomar como ponto de partida. Acho que o culto ao “umbigo” é o fim. Enquanto tiver a capacidade de ignorar o umbigo, acredito que não me repetirei.

artes: O senhor tornou-se um estudioso da filosofia Budista. O que mudou? Como o senhor encara a vida e as suas dificuldades?
CvS: O Budismo é muito recente para mim. Mas, o Zen, não! Poderia dizer que a partir de minhas leituras, do meu estudo, tudo mudou. Comecei a ver o mundo e as pessoas com outros olhos. A compaixão passou a ter um novo significado. Esse significado tem a ver com a vida e as suas dificuldades. Acredito que algumas palavras como humildade, simplicidade, desapego, harmonia, passaram a ter um significado novo para mim. Se eu tivesse esse conhecimento que tenho hoje, quando em junho de 1990, em Kyoto pernoitei em um templo Zen, teria compreendido melhor muita coisa que só agora estou compreendendo.
artes: O senhor acredita no ser humano?
CvS: Minha vontade é dizer, acredito até certo ponto. Mas, me pergunto, se acredito no ser humano até certo ponto, estou a anos luz do Budismo. Preciso acreditar sem restrições. Esse é o caminho.
Rita Feital São Paulo 24 de novembro de 2006