Os nus de Lucian Freud

O que Sigmund, o avô de Lucian, diria dos nus do neto? Como interpretaria, a partir da psicanálise, essas pinturas? O que significam esses homens e mulheres nuas? São apenas pinturas ou revelam muito mais? Não só dos retratados, mas, sobretudo, de Lucian Freud?
Essas perguntas me vieram à cabeça ao tomar conhecimento de que Naked portrait 2002, Nu retrato de 2002, que mostra a supermodelo inglesa, Kate Moss, grávida, nua, foi vendido em leilão pela Christie's de Londres por 5,892 milhões de euros, R$ 19,732 milhões na noite de quarta-feira, 9 de fevereiro.

na noite do leilão na Christie's de Londres
9 de fevereiro 2005
Quem conhece a pintura de Freud sabe que o pintor, hoje com 82 anos, criou com seus nus, retratos contundentes. Freud não maquia. Não disfarça, não esconde, não melhora. Pinta o que vê. E o que vê nem sempre é agradável de se ver. Pinta devagar. Sem pressa. Para pintar um nu leva de seis meses a um ano. Ou mais.

Não há, nos nus de Freud, a menor intenção de agradar, de seduzir, de excitar. O erotismo nesses nus, se é que existe, foge dos conhecidos padrões habituais. Freud não está minimamente interessado em pintar imagens sensuais, glamurosas e charmosas. Seus nus são o que são, retratos crus dos retratados. Não há charme nem encanto.

São duros, pungentes, doloridos. Mostram o homem, a mulher como um animal, uma flor, um objeto retratado em uma natureza morta. O corpo não passa de pele, carne, músculos e ossos. Com todos os defeitos e imperfeições. Dos que conheço, o de Kate Moss é o menos agressivo. Mesmo assim o retrato da modelo, pintado nas madrugadas geladas de dezembro do inverno de 2001 e da primavera e verão londrinos de 2002, a reduz a um corpo imenso, encimado por uma minúscula cabeça.
Não fosse Kate Moss, poderia ser qualquer Mary ou Elizabeth alta, magra, grávida.

Por falar em Elizabeth, não posso deixar de mencionar o retrato que Freud pintou de Sua Alteza Real, Elizabeth II, rainha do Reino Unido. De maio de 2000 a dezembro de 2001. Dezenove meses. Nesse período a rainha posou para Freud no studio de conservação e restauro da Royal Collection, no St James Palace. A única solicitação que Freud fez foi que a rainha usasse o Diamond Diadem, coroa de diamantes que usa quando vai à abertura do Parlamento, nos selos postais e nas notas bancárias.

O retrato da rainha causou a maior polêmica. Para muitos é o primeiro retrato da realeza britânica pintado de verdade, sem meias tintas. Para outros, um ultraje que deveria ser punido com a prisão na Torre. Não perdoaram a Freud a liberdade de transformar a rainha em "um travesti". A imprensa se dividiu. Não houve meio termo. Passada a tormenta, o retrato está, hoje, na Royal Collection.


Quanto aos nus, continuam a provocar. Com sua nudez descarada, reveladora, cruel e impiedosa. Não é essa uma das funções da arte? Será que o avô explicaria os nus do neto? Talvez...
São Paulo, 13 de fevereiro de 2005 23h51
Carlos von Schmidt