Paraiso de cores e tecnologia

Anita Malfatti   La Rentrée 1925/27  ost  88 x 115 cm
Anita Malfatti – La Rentrée 1925/27 ost 88 x 115 cm


Em Paraty, em 1969, a telefonia era jurássica se comparada à tecnologia que temos hoje. Existia uma telefonista em uma casa típica da cidade, atrás da Igreja da Matriz. Pedíamos a ligação para São Paulo ao meio dia e ela só conseguia finalizar a mesma por volta das 15 horas. Saia da “telefônica” e chamava a gente no grito... “Fulana.... sua ligação está finalizada, vem!”. 

Parece história, mas não é. Vivi isso. Após um temporal de verão, quando caíram barreiras e estradas ficaram interditadas em Paraty, São Sebastião e Ubatuba, as cidades ficaram ilhadas, sem notícias do “mundo lá fora”. Uma semana sem luz e sem comunicação. Tio Jorge chegou a contratar um helicóptero para nos resgatar, mas antes que ele subisse a bordo, consegui avisar que estava tudo bem. 

Hoje é preciso se acostumar e não achar que as pessoas estão malucas, falando sozinhas pelas ruas. Falam em seus telefones celulares invisíveis, colocando os fones de ouvido com seus micro microfones e, acionando uma tecla no meio do fio dos fones, podem falar e serem ouvidas. Malucos somos nós, os mais velhos (não tão velhos assim), que não acreditávamos quando Asimov, George Orwell ou Kurt Vonnegut Jr. escreviam livros deliciosos sobre o futuro e ficávamos encantados. Mas o futuro que líamos, na prática, já passou. Estamos muito além do que aquela literatura prometia. 

Sou fascinada por tecnologia. Acompanhei e tive boa parte da evolução da escrita, máquina de escrever manual que virou elétrica, que virou eletrônica e depois teclado de computador. Em 1995 já possuía um PC 286 em casa. A Internet era só um sistema chamado BBS, via Mandic. E, claro, em 1998 já possuía um “tijolo” chamado de celular.... 

Mas, o que isso tudo tem a ver com arte?????

Absolutamente tudo. Vamos comparar a telefonia de Paraty com a arte moderna no Brasil. Depois da semana de 22, a arte brasileira evoluiu com e como a tecnologia. Anita Malfatti escandalizou a sociedade, em 1917, com suas obras influenciadas pelo cubismo, expressionismo e futurismo. Saiu ilesa da Semana de 22, assim como Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, John Graz, Oswaldo Goeldi, Victor Brecheret e muitos outros.

 Emiliano Di Cavalcanti    Pierrete    ost  78 x 65 cm 1924
Emiliano Di Cavalcanti Pierrete ost 78 x 65 cm 1924

A partir destes exemplos, a geração de artistas de hoje se espelha, sem saber, na modernidade dos traços dos artistas tidos como modernos naquela época. 

A tecnologia dá um salto a cada semana. É difícil acompanhar tal rapidez. Um Paraíso de novos equipamentos sem fio, softwares multimídias que fazem qualquer tipo de desenho em segundos. A arte tomou outro rumo, virou virtual, digital, online, cibernética, robótica e tecnológica. Uma maravilha o que se pode fazer em termos artísticos nos dias de hoje.

Mas assim como o telefone jurássico era a base da telefonia celular de hoje, as ondas de comunicação, a arte dos artistas da semana de 22 é a base da manifestação para os artistas contemporâneos. Depois de Anita Malfatti nenhuma manifestação artística passa despercebida. Há sempre um burburinho em torno de cada obra mostrada, de cada exposição e, sem saber, os jovens de hoje se espelham sim, nos artistas modernos.

Apesar de toda a tecnologia disponível no século 21, e que muitos aproveitam para criar obras maravilhosas, há também toda uma geração de jovens que prefere ainda a paleta e as tintas. Alguns até ainda usam (pasmem!) pigmentos para fazer suas cores. Utilizam a tecnologia para criar e seria estranho se não a usassem. Mas o produto final é uma mistura saudável de tintas e pixels. 

Foi nessa linha que surgiu a ideia da Exposição Paraíso. Uma junção do novo e do antigo que atinge, principalmente, as plataformas pintadas. Alguns utilizam os muros da cidade, outros capas de velhos LP’s, sobre MDF, placas de acrílico, vidros e superfícies as mais bizarras. A criação brota sobre o inimaginável. A arte saudável, descolada, desencanada e jovem de hoje possui traços maduros, desenhos bem feitos, pinceladas firmes e muita imaginação. 

Mas nem todo mundo tem aonde mostrar esta arte nova. Começamos engatinhando lá na Galeria André, no sentido de ousar novas propostas para o público cliente e admirador das artes plásticas. Fizemos um garimpo. E vamos mostrar nove jovens talentos de partes diferentes do Brasil. Técnicas diversas, cabeças fervilhantes e muita vontade de criar e criar.

Sintetizando a arte de nossos dias, os jovens que participam da exposição Paraíso são o resumo da vanguarda, agentes da arte contemporânea, atualíssima. Emergem de um mundo novo, virtual. Antigas e novas técnicas se mesclam, novos formatos e conceitos artísticos atuais confundem-se com as velhas paletas de cores, o tradicional com o novo. O Paraíso das artes!

André Crespo   A Natureza   150 x 130 cm 2011
André Crespo A Natureza 150 x 130 cm 2011

André Crespo (São Paulo, SP) tem suas obras marcadas pelo realismo que transita entre o cotidiano da cidade e brumas de uma só tonalidade, que é sua marca registrada. Seus trabalhos retratam imagens de grandes metrópoles, pessoas e edifícios e situações corriqueiras e peculiares.

Clarice Gonçalves   Certeza do Nada  ost  101 x 129 cm  2011
Clarice Gonçalves Certeza do Nada ost 101 x 129 cm 2011

Clarice Gonçalves (Taguatinga, DF) coloca cor no corpo emocional e se adapta às sensações. Os títulos de suas obras são trechos, frases, traduções literárias, leituras e diálogos que são consumidos por muitos de nós no dia a dia.

Eduardo Kobra    Aquecimento    Técnica Mista 160 x 130 cm  2011
Eduardo Kobra Aquecimento Técnica Mista 160 x 130 cm 2011

Eduardo Kobra (São Paulo, SP) desenvolve obras que misturam o traço do grafite rico em sombra, luz e brilho. São trabalhos que permitem ao público interagir intelectualmente com a obra. No momento desenvolve trabalhos voltados para a comunidade global completamente difusa e com pinceladas firmes e cores absolutas retrata o choque cultural de nossos dias em nosso país.

João César de Melo   Densidade 01  ast 130 x 90cm 2011
João César de Melo Densidade 01 ast 130 x 90cm 2011

João César de Melo (Belo Horizonte, MG) é, aparentemente, um artista abstrato. Mas na verdade faz composições que possuem elementos, traços e cores com os olhos do arquiteto que é. Suas telas possuem elementos focando pequenas estruturas seguidas por linhas sutis.

Luisa Ritter - Reflexos da Natureza  Acrílica s/Capa disco LP 31 x 31 cm  2011 - detalhe
Luisa Ritter - Reflexos da Natureza Acrílica s/Capa disco LP 31 x 31 cm 2011 - detalhe

Luísa Ritter (Montenegro, RS) já se aventurou da colagem ao desenho e partiu para a pesquisa por referências, principalmente fotografias. Sua inspiração atual encontra-se nas fotografias de sua família dos anos 1960 aos 80, onde as cores eram diferentes e os ângulos nada comuns, como pessoas, roupas e carros, casas e árvores, morros e praias do sul. O suporte atual utilizado são capas de discos antigos, de LPs.

Marco Stellato  Paraíso Concreto ost 120 x 120 cm 2011
Marco Stellato Paraíso Concreto ost 120 x 120 cm 2011

Marco Stellato (São Paulo, SP) escolheu o mundo dos carros antigos como sua temática principal. Mas sua técnica começa a transportar seus traços para os reflexos destes carros em ônibus, edifícios e outras superfícies. Com estilo objetivo e marcadamente detalhista executa suas telas quase como câmera fotográfica que registra sua constante preocupação com as possibilidades do enquadramento.

Paulo Queiróz  Eva ost  140 x 80 cm  2011
Paulo Queiróz Eva ost 140 x 80 cm 2011

Paulo Queiróz (Fortaleza, CE) tem o desenho como aliado em qualquer técnica que desenvolva. Seja nanquim, óleo, pincel atômico, lápis, o desenho é o senhor de suas obras. Paulo não tem uma temática definida. Passa do urbano ao retrato, de uma brincadeira de criança aos pingos da chuva, com grande facilidade.

Rafael Resaffi  Paulista sentido Paraíso  ost  120 x 160 cm  2011
Rafael Resaffi Paulista sentido Paraíso ost 120 x 160 cm 2011

Rafael Resaffi (São Paulo, SP) é um retratista de cenas urbanas da cidade de São Paulo. Registra momentos, movimentos, cores, luzes e reflexos do dia a dia na cidade. Traços rigidamente perfeitos mostram as mudanças nas avenidas e ruas da capital paulistana. A sutileza de seu caminho em direção ao Bairro do Paraíso demonstra sua imaginação milimetricamente planejada.

Rodrigo Cunha A sala com mesa de sinuca 405 x 365 cm - ast
Rodrigo Cunha A sala com mesa de sinuca 405 x 365 cm - ast

Rodrigo Cunha (Niterói, RJ) pode ser definido como artista da pós-modernidade. Sua pintura retrata as coisas simples de uma casa, de um canto da cidade, homens e mulheres em situações corriqueiras. Tem uma pincelada quase pueril que contrasta com sua técnica realista e bem trabalhada. 

Imaginem se acontecesse uma pane tecnológica de 48 horas no mundo. Sem internet, sem celular, sem tecnologia... Seria como estar em Paraty no final dos anos 60, sem luz e sem comunicação. Se todos fossem como o Tio Jorge, o céu estaria abarrotado de pequenos jatinhos à procura de seus entes queridos perdidos na selva do século 21, sem comunicação e sem saber como acender o fogo raspando uma pedra no asfalto, mas, certamente estariam já criando seus próximos trabalhos, reinventando seus Paraísos interiores.

Sônia Skroski
5 de agosto de 2011 – 17h20’

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