Pensando em David Hamilton

”La jeune fille” Foto © David Hamilton


Nos anos 70 e 80 as imagens de David Hamilton fizeram parte de meu dia-a-dia. Suas doces adolescentes nuas em seus livros ocuparam e ainda ocupam um grande espaço em minha memória. Hoje, ao arrumar os livros nas novas estantes que desenhei e Agrício, o marceneiro, fez, peguei os livros de Hamilton. 

Quanta lembrança. A redação da Nestor Pestana, O apartamento da Villaboim. O jornal e revista artes: Buenos Aires, New York, Paris, Londres, Tókio ,Veneza e Kassel. As Bienais. Aqui e lá. Quanta gente meu Deus! Onde estão? 
De alguns eu sei. Outros morreram. Muitos nunca mais vi. Nem soube. 

Tiro o pó dos livros de Hamilton e folheio La Jeune Fille, The Best of David HamiltonPrivate Collection e Un étè à Saint Tropez. Deslumbro-me com a beleza das fotos e das jovens de todos os tipos. Alguns desses livros estão comigo há um quarto de século. 
Em The Best of David Hamilton encontrei um postal nas cores típicas do fotógrafo. Suaves, quentes. 
Banhada por luz diáfana, jovem nua de costas, segura a delicada camisola de dormir junto à cama. É um fotograma do filme Les Ombres de L’Étè

”Private Collection” Foto © David Hamilton


O postal foi enviado de Paris em 22 de setembro de 1980. Um bilhete doce, de amor. Hoje penso que entre a jovem retratada no postal e a remetente havia muita coisa em comum. Hamilton não hesitaria em fotografá-la. Era doce e bela. Pernas longas e cabelos longos, negros. 
Esse postal me fez pensar em um outro que recebi do escultor Cleber Machado, de New York, também nos anos 80. 

Nesse, uma jovem belíssima, nua, com um lenço azul claro na cabeça, fazendo as vezes de turbante, sentada em uma cadeira de vime, as duas mãos posadas sobre o sexo, uma das pernas apoiada em um pufe, a outra no assoalho, cochilava.

”The Best of David Hamilton" Foto © David Hamilton


Ver esses postais hoje, vinte e cinco anos passados, me faz regredir no tempo e no espaço. Hamilton chegou à fotografia através da direção de arte em revistas como a Queen de Londres e a Printemps de Paris. Fez publicidade. Suas fotos para L’Air du Temps, de Nina Ricci, divulgaram o perfume por duas décadas. 

No meu caminho a publicidade também foi providencial. A partir da criação e da redação de anúncios e de comerciais para cinema e televisão, desenvolvi meu gosto por escrever, diagramar, editar, fotografar e filmar. 
Coloquei os livros de Hamilton na estante. Fiquei pensando que há muito não via nem sabia nada dele. Sabia que vivia no sul da França. Em casarão secular próximo de Saint Tropez.
Por quê não acessar a Internet? Acessei. 
Hamilton tem um site, www.hamilton-archives.com.

” The Best of David Hamilton” Foto © David Hamilton


No site fiquei sabendo que Hamilton está proibido na Nova Zelândia. Se você chegar na capital, Wellington, ou em qualquer outra cidade neozelandesa comHolidays Snapshots ou outro qualquer livro de Hamilton, o livro será aprendido. Queimado. 

Você será visto com maus olhos. Considerado adepto de “pornografia infantil”. Passará a ser suspeito.

Também fiquei sabendo que Hamilton está virtualmente aposentado. Isso significa que não há planos para edição de novos livros. Está com 72 anos. Continua a fotografar. Não há por que parar. 

Enquanto na Nova Zelândia Hamilton é considerado “corruptor de menores”, no Japão, em Tókio, é considerado um ídolo. Cult. Suas fotos foram publicadas por editores japoneses em edições exclusivas para o Japão.

”The Best of David Hamilton” Foto © David Hamilton



Nos Estados Unidos de Bush, no império dos sex shops, grupos religiosos radicais condenaram livrarias que expõem livros de Hamilton. 
Preferem as fotos daquela militar na prisão de Abu Ghraib em Bagdá, posando com um prisioneiro na coleira, às doces, suaves e lindas adolescentes de Hamilton. Questão de gosto. 

No site de Hamilton vi seus livros e suas fotos. Continuo a ver em suas imagens a beleza que sempre vi. Sem esquecer Keats que dizia “a thing of beauty is a joy for ever”,“uma coisa bonita é uma alegria para sempre”.

No site descobri três livros que quero ver e ler. Hommage à la Peinture, de 1984,25 Years of an Artist, de 1994 e Age of Innocence, de 1995.
Quando chegarem, conversaremos. 

São Paulo 31 de agosto de 2005 22H14’ 1º de setembro 15H32’ 
Carlos von Schmidt