Saddam no chão

Soldado norte-americano cobre rosto em megaestátua de Saddam com bandeira dos EUA.
(Goran Tomasevic/Reuters)
A guerra no Iraque mudou por completo minha rotina, meu dia-a-dia. Meus horários não obedecem mais os costumeiros.
Hoje, quarta-feira, 9, era minha intenção, após acordar, digitar e encaminhar para publicação, artigo que escrevi ontem sobre o ataque a jornalistas em Bagdá. Queria tratar disso logo cedo. Não tratei. A guerra não deixou.
Fui dormir às 4 da madrugada. Às 8:30, Alzira, minha faxineira chegou. Às 9, depois de ver meus e-mails, notícias na Internet, as da BBC, do New York Times, Le Monde e Deutsch Welle, tomei café reforçado vendo imagens da CNN, Al Jazeera, Al Arabiya, Abu Dhabi e Band News. Ao mesmo tempo dei uma olhada na Folha e no Estado.
Em Bagdá eram 16 horas. Imagens da CNN mostravam a Praça Ferdaus, Praça Paraíso. Ao fundo a Mesquita. Ao lado o Hotel Palestine.
O hotel que se transformou em central de notícias. 150 jornalistas, fotógrafos, entre eles os da Folha, cinegrafistas, cameramen do mundo inteiro, fizeram do Palestine QG da informação independente.
Hoje o Palestine faz parte do jornalismo mundial. Ontem, quando um tanque de guerra dos Estados Unidos disparou contra a imprensa no hotel, o Palestine entrou para a história.
Dominando a praça, em base de concreto de aproximadamente 8 metros de altura, flanqueada por falsas colunas gregas, hiper cafonas, enorme escultura de Saddam Hussein.
Um bronze de 6 metros. Presente de aniversário que o ditador se deu em 28 de abril do ano passado quando fez 65 anos. Por estar na praça central de Bagdá, caminho obrigatório para a mesquita, a imagem de Saddam, com o braço direito erguido para céu tem muito a ver com o realismo socialista de Stalin, outro que também gostava de suas imagens nas praças
À medida que os tanques Abrams e os blindados Bradley se posicionavam estrategicamente em volta da praça e marines em posição de combate, populares foram chegando e se misturando entre os veículos e com os fuzileiros.
Uma senhora toda de preto, da cabeça aos pés, passou de mãos dadas com uma menina de 12 anos mais ou menos, andando rápido, atravessando a praça pela calçada junto aos tanques. Um senhor passou carregando um menino no colo. Nem parece que há uma guerra. Que os tanques são de verdade. Os marines também.

Iraquianos amarram uma corda ao redor do pescoço de Saddam Hussein. (AFP)
Homens, rapazes e meninos, cada vez em maior número, seguem gritando, acenando, de peitos nus, agitando as camisas em direção à escultura. Os marines observam. Das torres dos tanques e fora delas. Vez ou outra acionam as torres. Os canhões movimentam-se lentamente cobrindo a praça..
A turba chega a Saddam. Tenta arrancar a placa comemorativa. Consegue soltá-la, mas não desprendê-la. Os mais afoitos tentam escalar a base. Fazem uma pequena pirâmide humana mas não conseguem chegar ao topo. Alguém aparece com uma escada. Primeiro sobe um. Depois outro. Leva uma grossa corda. Puxam a escada. Um sobe. Outro segura. Uma queda seria fatal. Passam a corda no pescoço de Saddam. Dão um nó e jogam a corda para baixo. Descem. A corda não é comprida o suficiente.
Um rapaz parrudo aparece com uma marreta. Começa a golpear a base. Bate com força, raiva. Mas a base é muito grossa. É substituído por outro seguido por vários outros. Todos querem derrubar Saddam.
Não vão conseguir. Saddam só vai cair com a ajuda de um tanque, provavelmente um M60 usado para construir pontes. Um fuzileiro sobe e cuida da derrubada. Prende a imagem ao braço mecânico do tanque.

EUA derrubam estátua de Saddam de 6 metros no centro de Bagdá. (AFP)
Depois, envolve a cabeça de Saddam em uma bandeira norte-americana. Recebe ordem para tirá-la. Substitui por bandeira do Iraque. Desce. O tanque puxa. Saddam cai mas não ao chão. Continua na base. Inclinado. Fica pendurado. O tanque dá um tranco. Saddam vem abaixo.
Aos gritos, os bagdalis avançam sobre a escultura. Batem e pisam.
Poucos minutos passados, jovens, meninos puxam uma corda com a cabeça de Saddam pela Praça Paraíso.
Um deles vai montado na cabeça. Em Bagdá são 16 horas e 42 minutos.
Carlos von Schmidt
9 de abril de 2003 18horas40