Takita

Conheci Takita nos anos 90. Durante algum tempo dei-lhe aulas de História da Arte. Em 1993 ajudei-o a escolher as obras que participaram de sua primeira individual na Paulo Figueiredo. O texto da mostra é meu. Está publicado abaixo.
Desde então Takita tem participado de projetos meus como amigo e profissional. O design do folder da primeira Off Bienal foi dele. Na hora da montagem no MuBe em setembro de 1996, estava a meu lado.
Em novembro fez a capa de meu livro, Na Cama com Picasso, com fotografia de André de Almeida. Alessandra Carina, a modelo da foto, era sua mulher. Nestes anos todos sempre mantivemos contato.

Vi como deixou à abstração e voltou à figura. Em Além do Sol Nascente, meu próximo livro, no capítulo 2, Fuji-san, falo de uma pintura em que A Grande Onda de Hokusai quebra junto à concha da Vênus de Botticelli. Comento que a volta à figura deu a Takita uma ousadia criativa enorme. Sem limites.
Hokusai viveu dois século depois da Renascença italiana, de Botticelli. Takita ao ver que a solução plástica era perfeita, não hesitou. Pintou A Grande Onda ao lado da Vênus.
A capa de Além do Sol Nascente é de Takita. Diretor de Arte de conhecida agência de publicidade, Takita
em breve estará expondo suas pinturas. Ousadas. Enquanto aguardamos a exposição apresentamos pinturas dos anos 90 e de 2008.
São Paulo, 27 de dezembro de 2007 01h47
posted by Carlos von Schmidt

Pintura inteligente
As telas estavam à minha frente, ao lado à esquerda, à direita e atrás de minha cadeira junto à mesa. Durante dias, desde que Takita as trouxe, ao contrário de observá-las, sinto que elas é que me observam.
De uma delas à esquerda, Mona Lisa, idêntica a de Leonardo, no Louvre, olha-me com insistência. Toda vez que olho em sua direção encontro seus olhos, curiosos, interrogativos. Retribuo o olhar. Da Vinci pintou esse olhar de tal modo que não importa onde você esteja, não escapa dele.
Procuro ver de que cor são os olhos? Do sorriso não esqueci, mas dos olhos? Você se lembra de que cor são os olhos? Azuis, verdes, negros, castanhos? Estou na dúvida se negros ou castanhos?
Fui pesquisar. A meu ver o melhor texto a respeito dos olhos é de Larry Perry, diplomata americano. Foi dos Estados Unidos ao Louvre para tirar a dúvida.
Estava em companhia de um figurão encarregado da segurança do presidente francês. Sem querer disparou o alarme anti-roubo ao ultrapassar a área demarcada. Vieram guardas de todos os lados. Identificou-se. Explicou-se. Pediu a presença do curador responsável pela Mona Lisa. O curador veio. Juntos, através do vidro à prova de bala, puderam ver a pintura de perto. Os olhos.
Brown, castanho disse o curador. Hazel, avelã, falou o americano. Iguais aos de minha mãe. Avelã!!! E encerrou o assunto.
Encontrei outros relatos. Mais técnicos como os do Conseil national de recherche do Canadá. Raios-X completo. Do painel de madeira à tinta a óleo. Do craquelê aos restauros.
Para mim não ficou a menor dúvida de que a cor dos olhos de Mona Lisa está entre castanho e avelã.

Na pintura de Takita, Referencia Pictórica, eles são iguais aos do Louvre. Cor de avelã. Os tubos de tinta acrílica e os pincéis reproduzidos ao lado da imagem de Mona Lisa, revelam como Takita pintou-a.
Dos muitos mistérios que envolvem a Mona Lisa, um é como Leonardo pintou-a. Até hoje ninguém sabe. Não há traços de pincel, ou de qualquer outro instrumento sobre a pintura. Teria pintado com os dedos?
Poderia, mas não há nenhuma impressão digital sobre a camada de tinta a óleo e sobre o fundo de gesso que cobre a tábua de choupo, de 77 por 53 cm. Nada!
Vasari que também era pintor na Renascença, em seu livro sobre os pintores daquela época, não faz menção à técnica. Diz que Leonardo começou a pintar Mona Lisa em 1502. Terminou quatro anos depois. A meu ver não terminou.
A falta de sobrancelhas, cílios, indica a obra inacabada.
Como pintou? As mais sofisticadas e modernas técnicas de escaneamento a laser não descobriram como foi. O mistério continua.

Quando em setembro do ano passado, selecionei a tela da Mona Lisa de Takita para a Off Bienal 2, no MuBE, não pensei que em junho de 2007 estaria escrevendo sobre essa pintura e outras para esta exposição.
Das telas que me cercam outros personagens me olham. Volto a Mona Lisa na sala do Louvre que o Código da Vinci de Dan Brown celebrizou. O curador assassinado, no chão, na posição do homem de Vitruvius, leva-me a Place de L’Etoile em frente ao Arco do Triunfo.
Ao Homem Vitruviano de Leonardo, Takita acrescentou asas. É alado. Prestes a voar. Incrível! Para não dizer extraordinário. !!!
Juntos voamos para o Adriático de Botticelli. Vênus emerge do mar. A de Takita tem uma onda de Hokusai quebrando ao lado da concha. Penso no Monte Fuji. Que vi de longe. Foi para Hokusai o que o Mont Sainte Victoire foi para Cézanne. Inspiração permanente.
Takita exerce a liberdade criativa sem limites. Isso lhe permite fazer a Renascença italiana e o século 18 japonês caminharem juntos observados pela Vênus de Milo, esculpida na Grécia por Fidias por volta de 470 Antes de Cristo. Para Takita não há limite de tempo. Nem de lugar.
À minha frente o Adão de Michelangelo pintado sobre um muro de tijolos aparentes me leva a Capela Sistina.
Em 88 em um andaime da equipe japonesa que restaurava os afrescos de Michelangelo vi o original sobre minha cabeça a poucos metros. Meu Deus, que deslumbre!!!
Sensação estranha ver agora o Adão de Takita à minha frente. Para Freud a corrente e o cadeado da pintura talvez falassem mais do que o muro de tijolos. Mas, não vou tirar de cada um o prazer de interpretá-los.
Durante uma semana vivi cercado por esses ilustres personagens da História da Arte. Havia outros não tão famosos, mas expressivos e fortes. Mulheres do nosso cotidiano. Presença permanente.

Três chamaram-me à atenção. A que parece um desenho a carvão, absorta, mergulhada em si mesma, ao lado de outra, em tons pastéis, adormecida. A frase “Nada que o Coração convencesse e tudo que a Alma cedesse”, marca a composição. Sugere. Insinua.
Outra, linda, jovem, presa no visor de uma televisão, os olhos claros, vivos, espreitava-me como a Mona Lisa.
Olhavam-me curiosas querendo saber o que achava de cada uma. A mais chamativa, uma pierrete, faz eco a uma frase que corta a pintura na vertical e horizontal: “outono de curvas femininas que sopram rumores de meu desejo”.
Freud não precisa explicar nada. Nem Jung. Nem Reich.
Em tempos em que a maioria dos pintores refugia-se atrás de abstrações, Takita no passado também se refugiou, hoje, agora não tem medo de se expor. Revela-se através da pintura e de pensamentos.
Acredita que “A Arte é uma Magia que libera a mentira de ser verdadeira” como afirma Adorno, repetindo Klee. Convicto disso incluiu a frase junto à sua Mona Lisa.
Foi de Leonardo a Goethe. Citando o poeta escreveu junto do seu homem vitruviano: “O amor e o desejo são asas das grandes façanhas”. A pintura que está fazendo deixa isso bem claro.
São Paulo 29 de junho de 2007
Carlos von Schmidt - Curador e crítico de arte

Texto da exposição na Galeria Paulo Figueiredo
Há quem pense que abstração é coisa de quem não sabe desenhar, pintar: Ledo engano! Kandinsky, Mondrian, antes de optarem pelo abstracionismo eram figurativos. Dominavam a figura como ninguém. A pintura, o desenho abstrato não é fruto de ignorância, do acaso, do fortuito. Não!
De 1910, quando Kandinsky pintou “Aquarela”, considerada historicamente a primeira obra abstrata, até os nossos dias, o abstracionismo foi a solução que incontáveis artistas encontraram para expressar-se além dos limites da figura.
Para Takita, dominar a figura com maestria não lhe bastava mais.
Romper com os limites, sim! Poderia ter optado pelo abstracionismo geométrico. Seria fácil. Era só seguir as pegadas de Mondrian e chegaria lá. Ou de Klee. Artista que reformulou a arte de desenhar. Ou, melhor, a maneira de pensar o desenho. Para Takita, desenhista nato, bastava ler “The Thinking Eye”, seguir as dicas de Klee e pronto. Sucesso à vista. Não quis!
Preferiu criar seu universo informal, abstrato, tendo sempre em mente as palavras de Kandinsky: “Era cada vez mais necessário o desejo interior que determina impressionantemente a forma… A separação do domínio da arte e do domínio da natureza fez-se para mim cada vez mais presente até que me foi possível considerá-los cada um em si mesmo, como absolutamente distintos.”

Compreender o pensamento de Kandinsky foi essencial para Takita. Ao optar pelo abstracionismo não havia nada de gratuito na escolha. A decisão foi consciente. Racional. Nas pinturas dos anos 90 o prazer de pintar se manisfestou em ritmo cada vez mais ditoso. Pintar, desenhar, faz parte do dia-a-dia. Os desenhos e pinturas se sucedem. Em cada desenho, pintura, o universo pictórico de Takita amplia-se. Cresce. Ganha força.
Ao crítico, nem sempre é dado o prazer, o privilégio de ver, presenciar o nascimento do micro e macrocosmo pictórico de um artista. Takita proporcionou-me ambos. Vi a gênese de sua obra. Não tenho dúvida de que as pinturas de 91, 92 e 93 estão entre o que há de mais significativo no universo da pintura abstrata que se cria hoje no Brasil.

Esta exposição é apenas o começo. Se pelo dedo se conhece o gigante, pode-se afirmar que se viu apenas o polegar. Porém já pode-se dizer sem medo que se está face a um artista pantagruélico. Com apetite voraz, por telas e tintas. Agora é só dar tempo ao tempo. Atentem a esse nome: Takita. Fiquem de olho na sua pintura. Há um novo artista na praça. Dos bons! Seja bem-vindo!!!
Carlos von Schmidt
Setembro de 1993