Terror

Equipe de resgate trabalha na estação do metrô de Londres
 

Hasib colocou o explosivo com cuidado no meio da mochila. Calçou as garrafas, vidros iguais ao de geléia, caixas plásticas, com camisas, cuecas, calças e meias. Sabia que todo cuidado era pouco.

Não era por acaso que os irmãos islâmicos chamavam o explosivo de Mãe de Satã.

O peróxido de acetona, conhecido como TATP é sensível a impactos, a variação de temperatura, a atritos. Explode fácil.

Feito com acetona, água oxigenada e ácido sulfúrico é o explosivo preferido dos suicidas que se explodem em ônibus, hotéis, boates, bares, embaixadas em Tel Avi, Jerusalém e em outras cidades do oriente médio. Foi usado na boate que explodiram em Bali. 

Volátil é extremamente sensível. Manipular o Mãe de Satã é um perigo permanente. Requer conhecimento, prática, habilidade, técnica. 
Às vezes durante o preparo, explode. Dependendo do volume, da explosão, dedos, mãos, braços, cabeça são estraçalhadas. 

Mutilou e matou muitos que o manipularam nos laboratórios, nos campos de treinamento do Paquistão, do Afeganistão, do Iraque. Vacilou, morreu!

É fácil de transportar. Branco, parece açúcar cristal. 
Nos aeroportos, nas estações, nas rodoviárias, os cães não conseguem farejar o Mãe de Satã. 

Hasib arrumou as garrafas, os vidros, as caixas plásticas entre as peças de roupa, de tal jeito que ficaram firmes, imóveis, presas. Fechou a mochila, colocou-a junto à parede. Ficou absorto olhando-a.

Em Madri não usaram o Mãe de Satã. A missão não foi suicida. Usaram Goma 2 ECO, fabricado pela Unión Española de Explosivos em Asturias no norte da Espanha. Usado em pedreiras e mineração à base de gelatina nitroglicérica. 
Nos trens de Madri o Goma 2 foi detonado através de telefone celular. 

Hasib olhou a mochila e pensou no tube de Londres. Era o seu transporte preferido. Lembrou da história do underground londrino que leu no guia London Underground na Internet.

O primeiro do mundo a transportar passageiro abaixo do solo. A viagem inaugural foi em 10 de janeiro de 1863. Nesse dia 40.000 pessoas viajaram os 67 quilômetros entre Paddington e Farrington.

Hoje, dois milhões e seiscentas mil pessoas viajam diariamente por seus quatrocentos e oito quilômetros.

Pensou nas moscas que vivem há mais de um século no underground. Adaptaram-se ao escuro. Não têm nada a ver com a mosca da superfície. É um outro inseto. As moscas dividem os túneis com os ratos.

O guia dizia que nos túneis e estações há meio milhão de ratos. Fala também de pombos que voam longas distâncias pelos túneis. De West Ham ao leste de Londres ao centro. À procura de comida. 

Hasib continuou a olhar a mochila. Ia carregá-la nas costas. Seus três companheiros também. Os irmãos da jirad, da guerra santa, prendem o explosivo na cintura, no peito. A explosão os dilacera, queima. Sobra um pedaço ou outro, carbonizado. Morrem por Alá.

Deitado na cama Hasib olhou a mochila, as paredes em volta, a lâmpada acesa sobre a cama. Não conseguia tirar o olhar da mochila. 

Logo mais encontraria seus três irmãos, filhos de Alá, seguidores do Alcorão e de Maomé. Eram soldados do Jaish-e-Mohammad, do Exército de Maomé.
Cada um iria carregar na mochila quatro quilos e meio de TAPT.

Hasib era o mais jovem dos três. Estava com dezoito anos. Os outros dois tinham dezenove e vinte e dois. O mais velho trinta. Era o mais alto. 1,90m. O mais forte. 100 quilos. 

No Hoelbeck Hornest Football Team de Leeds,jogava na defesa. Às vezes no ataque. Adorava o futebol. Sempre que jogava sentia-se feliz. Alegre. Completo. 
Depois do jogo gostava de ficar deitado na grama do campo. De costas, olhando o céu. 

Levantou da cama. Sentiu a calça de brim nas pernas, no púbis raspado. A camiseta no peito. Raspado. As axilas, os braços também raspados. A raspagem fazia parte da purificação. Realizada durante a noite. 

Vestiu a jaqueta preta. Ajoelhou e curvou-se em direção a Meca. Invocou Alá. Fez a primeira oração do dia. Olhou a mochila. Pegou-a levantado com cuidado. Colocou-a nas costas. Abriu a porta. Saiu.

Em Holbeck, o dia clareava. O tempo estava bom. Era verão.

Às 7 horas e 20 minutos Hasib foi o primeiro a entrar na estação de Luton. Seguido pelos outros três. Cada um com sua mochila. Às 8 horas e 26 minutos, chegaram à estação de King’s Cross. Desembarcaram. Na plataforma olharam em direção a Meca. Invocaram Alá. 

Às 8 horas e 50 minutos os três companheiros de Hasib se explodiram nos trens que iam para Aldegate, Picaddily e Edgware Road.
Às 9 horas e 47 minutos, na parte superior de um ônibus, Hasib se explodiu perto da Praça Tavistock, no bairro de Bloomsbury. 

Era quinta-feira, 7 de julho de 2005. Junto ao que sobrou dos quatro corpos dos jovens anglo-paquistaneses a polícia encontrou carteiras de identidade, de motorista e passagens de volta para Luton .

Na Tavistock Square, fotógrafos e cameramen documentam a operação de regate. Há muitos mortos e feridos. Em King’s Cross e nas estações de Aldegate e Edgware Road só as equipes de regate e a Scotland Yard têm ascesso.

Nos túneis o calor era insuportável. O mau cheiro sufocava. Uma mistura de pneu queimado, de carne torrada e de cadáveres .
Ratos atraídos pelo cheiro de sangue corriam pelos vagões e trilhos. Equipes retiravam corpos estraçalhados, mutilados. São muitos.

Refletores iluminam os que trabalham. Alguns vomitam. Outros choram. Há os que desmaiam. Os vagões explodidos parecem ventres abertos. Vísceras à mostra. Sangrando. Onde a luz termina o escuro começa. Na superfície o dia está lindo. Ensolarado. A vida continua. Mas algo mudou. O medo está presente. 

No Paquistão, nas madrasas, escolas religiosas islâmicas de Lahore, por onde, Hasib e seus companheiros passaram meses atrás, Alá é invocado. 
Pedem que Alá acolha no paraíso, com todas as glórias merecidas, os quatro mártires de Londres. 

O dia termina. O sol se põe por trás das montanhas. Em uma casa forte em Kashimir, na fronteira do Waziiristão, Osama Bin. Laden de joelhos, curvado sob o solo, de frente para Meca pede a Alá que recompense com o paraíso os seus quatro soldados. 

Mactub. Estava escrito. Fazia parte da história de cada um. Ao lado direito de Bin Laden a Kalachnikoff está à mão. 

Uma semana depois em um site da Internet usado pela Al Qaïda em Qatar na rede Al Jazeera, uma mensagem comunicava que “Esta operação é uma resposta às forças do mal que fazem correr o sangue dos muçulmanos no Iraque, no Afeganistão, na Palestina, e na Chechênia.”

Enquanto Londres chorava seus mortos em Birminghan quatro jovens soldados do Jaish-e-Mohammad, Exército de Maomé, se preparavam para viajar. Destino, Londres. Underground. Na sacola de mão, a Mãe de Satã. 

São Paulo, 17 de julho 10H56 27 de julho de 2005 13H17 Carlos von Schmidt