Tudo mentira

A recruta Jessica Lynch
Hollywood não teria feito melhor. À medida que as histórias da Guerra de Bush e Blair vêm a público, as do barão de Münchausen parecem contos de fadas.
A última, divulgada hoje pela BBC, conta que o resgate "dramático" da jovem recruta Jessica Lynch, 19 anos, secretária do exército dos Estados Unidos, não passou de armação. A palavra que a BBC usou foi fraude.
Sempre fiquei de pé atrás, sem acreditar na operação resgate. Filmada com câmera de visão noturna por cinegrafista do exército, não me convenceu. Era cinematográfica demais.
Tinha tudo que um bom filme de guerra costuma ter: helicóptero, explosões, metralha, tiros, muitos tiros. Ação.
Só não tinha os inimigos, os iraquianos, "os hostis". Não acreditei no que vi, no que li, no que ouvi.
O relato feito pelo general de brigada, Vincent Brooks, a centena de jornalistas em Doha, no Qatar, sobre a operação de forças especiais, o combate, o resgate heróico, tudo foi mentira.
De verdadeiro, só existe o erro que levou a unidade de Jessica, no sul do Iraque, próximo de Nasyriah, às mãos dos fedains emboscados. A morte de nove companheiros, as lesões.
Ferida, Jessica foi capturada e internada em hospital pequeno e precário, onde foi medicada e atendida.
O jovem médico Harrit a Houssona, que atendeu e cuidou de Jessica, disse à BBC: “eu a examinei, vi que ela tinha quebrado um braço, uma perna e um tornozelo”.
Além dos ferimentos mencionados, a facada e o tiro que teria levado não passam de invenção. Criada para efeitos de divulgação. Relações públicas.
A operação de resgate foi um bléf, uma armação em que só faltou Sylvester Stalone dando uma de Rambo.
A força especial chegou de helicóptero, avançou contra o hospital, mais para ambulatório do que para hospital, em que só havia duas enfermeiras, dois médicos, nenhum combatente.
Correndo e gritando, "go, go, go" como nos filmes de ação, os "supercomandos" avançaram atirando. Só que as balas eram festim. Tudo encenação.
Do Iraque, a recruta foi levada para um hospital na Alemanha. De Landstuhl, seguiu para os Estados Unidos. Chegou à sua cidadezinha natal, Palestine, na West Virginia, onde foi recebida como heroína.
Transformada pelo Washington Post em mulher maravilha que lutou até a última bala, Jessica Lynch, com as últimas notícias, deixou de ser a heroína do Iraque para ser a heroína de araque. Graças ao resgate fajuto.
Incomunicável, convenientemente "amnésica", não se lembra de nada do que aconteceu. Sabe que se lembrar e começar a falar, em especial com jornalistas, a casa cai.
Mas, não será surpresa se amanhã ou depois a história de Jessica Lynch vire filme de verdade.
Carlos von Schmidt
16 de maio de 2003 11 horas 40