Virginia Derqui no MuBE

A artista plástica argentina Virginia Derqui expõe 7 telas em mostra minimalista no MuBE Museu Brasileiro da Escultura, a partir de 9 de janeiro. A exposição, denominada “EN COMUNION”, tem curadoria de Carlos von Schmidt e coordenação de Luz Marina Simonsen da LMS Eventos. ´"EN COMUNION" estará aberta ao público até 31 de janeiro.
Abaixo transcrevemos entrevista realizada com a artista plástica argentina Virginia Derqui no Plaza Grand Hotel de São Paulo, na tarde de 21 de dezembro de 2006 às 17 horas por Carlos von Schmidt e Gisella Hiche.
artes: : Que significado tem para a senhora expor sua pintura em São Paulo?
Virginia Derqui: O convite para expor minha pintura no Museu Brasileiro da Escultura emocionou-me muito. Agradeço sensibilizada a recepção. Esta possibilidade de estar próxima a vocês através de meu trabalho comprova que a arte é uma verdadeira linguagem universal, a “linguagem das almas”.
artes: : Sua exposição tem sete telas. Foram pintadas em quanto tempo? Qual o tempo que a senhora dedica a cada tela?
Virginia Derqui: As sete telas foram pintadas em dois anos. Não se pode falar de tempo, uma vez que é a própria obra que estabelece o tempo. Há um tempo de gestação, de transformação, um tempo em que a forma começa a aparecer com maior clareza e um tempo que necessita para crescer e poder “existir”, por si mesma.
artes:: Como a senhora chegou ao Minimalismo?
Virginia Derqui: Prefiro dizer que o caminho do crescimento que é a vida, nos induz a buscar o encontro com o essencial, com o primário, com a nossa própria fonte.
Essa busca é uma necessidade vital que acompanha todo crescimento, é a necessidade de conhecer, de crescer no amor.
No caminho da pintura, que é em si mesmo um caminho de conhecimento, somos levados ao encontro do essencial, ao encontro cada vez mais profundo com suas forças primárias: a linha e a cor, duas forças poderosas que lhe dão o ser.
Avançar implica renúncia, entrega, confiança... Se este processo, Carlos, em pintura chama-se Minimalismo, que assim seja.

artes: : Que significado tem a forma em seu trabalho?
Virginia Derqui: Não poderia separar o que significa “o dar forma” no trabalho e ”o dar forma” na vida. Buscar a plenitude da forma, para que ela exista por si própria. É o que rege meu trabalho.
E crescer no conhecimento de nossa própria forma, gestando-nos, transformando-nos e dando-nos a luz ao longo da vida. É o que a própria vida nos pede para que alcancemos a forma que nos tem pensada.
artes: : Cor, forma, pressupõe espaço. Que importância tem o espaço em seu trabalho?
Virginia Derqui: O espaço é que contém a forma. Ao conceber a forma, espaço e forma se transformam juntos, penetrando-se nesse processo de crescimento, constituindo permanentemente uma unidade. Se pudéssemos pensar em termos de escultura, o espaço seria equivalente ao bloco de pedra que se vai transformando ao mesmo tempo em que a forma que tem em si.
O espaço significa o Amor... a forma...nossa forma... estar n’Ele, pensado por Ele... e crescemos nos transformando com Ele... é penetrando e sendo penetrado por Ele que vamos nos aproximando do que será algum dia nossa forma plena.
artes: : Como a senhora desenvolve o processo criativo?
Virginia Derqui: O processo criativo nasce em função de uma forte necessidade de dar forma. Ao entregar-se, a gente se doa, se encarna na forma para que ela possa “ser” por si mesma. É uma profunda relação de entrega, de espera, de amor.
O processo criativo não termina na relação que eu tenho com o trabalho. O processo criativo abarca também a relação do outro com ele. Se falamos de processo criativo é por que a obra teria um sentido muito mais transcendente se pudesse ajudar a nos transformar, crescendo e transformando-se no encontro com o outro.
artes: : Quando a senhora considera uma obra terminada?
Virginia Derqui: Não posso usar a palavra terminada. Simplesmente há um momento em que sinto que o que está em minha frente, cresceu, amadureceu e já “é” em si mesma. Por tanto a relação de entrega já não é mais necessária.
artes: : O Minimalismo por sua própria essência exige uma disciplina rígida. Como a senhora se relaciona com isso?
Virginia Derqui: A disciplina chega naturalmente quando existe uma forte necessidade de expressar-se. É uma disciplina que nasce como necessidade própria de uma liberdade, portanto é necessária, escolhida e procurada.
artes: : Como a senhora reage quando se desfaz de uma obra?
Virginia Derqui: Sinto uma emoção profunda e uma enorme alegria. Que a obra possa “ser” ela mesma para outro é o sentido de tanta entrega.

Austeridade e Compromisso
Uma devoção que encarna em elaborações pacientes e obstinadas da matéria sobre o suporte; homenagem, talvez, à função pictórica. Frente à inclinação, às vezes quase mecânica, da arte de hoje, Virginia Derqui optou por um retorno à pintura, saturando planos, desenhando tenazmente os contornos, sentindo de forma quase sensual o prazer da matéria até transformá-la em uma substância viva. Se essas características já tinham sido prenunciadas em sua exposição anterior, nas presentes obras, o predomínio se acentuou. Entretanto, existem outras variantes.
Entre elas o uso de um espaço diferente, que desloca ininterruptamente a imagem, como se a mesma buscasse a gravitação de uma ascensão, de um compromisso além da tela. O volume se tornou monumental, anunciando o mural, e poucas cores bastam para sustentar a proposta. A isso se une uma depuração medida, austeridade que transforma essas metáforas visuais em uma testemunha perceptiva de pureza severa. À parte dessas dimensões, podemos nos perguntar: o que se oculta atrás de uma pintura abstraía?
Geralmente, a questão indica um valor de enigma, cresce entre vestígios e inferências, desliza como uma indagação. Se tivéssemos de mexer no que se esconde atrás das pinturas de Virgínia Derqui, arriscaríamos uma hipótese: "Gestações" que atravessaram a crista incerta do crescimento e que afloraram como aves sem destino, por acaso penetradas de demandas, insistência ou desejo que compreende o quanto se encontra na devoção e na transferência. Como afirmaria Paul Eluard, "Somos corpo com corpo somos terra com terra nascemos em qualquer lugar e não temos limites".
Osvaldo Svanascini
Membro da Academia Nacional de Bellas Artes – Buenos Aires

Uma pintura é uma pintura é uma pintura.....
Virginia Derqui é argentina. Nasceu na Buenos Aires de Borges e Xul Solar, no final dos anos 60. Nessa década em New York, o Minimalismo atingiu seu ponto mais alto com Frank Stella, Sol Lewitt, Donald Judd, Robert Smithson e com o mais minimalista dos minimalistas, Ad Reinhardt.
Pintor, professor universitário, teórico, Reinhardt dizia que no Minimalismo “tudo é prescrito e proscrito. Somente dessa maneira não existe adesão ou dependência de qualquer coisa. Somente uma forma padronizada pode ser sem imagem, somente uma imagem estereotipada pode ser informe, somente uma arte formulizada pode ser isenta de formulas”.
Radical, ortodoxo, Reinhardt foi, a meu ver, o que melhor conceituou o Minimalismo. Fixou padrões, parâmetros. Esses padrões, parâmetros, Virginia Derqui incorporou e aplicou à sua pintura, enfatizando o pensamento de Mies van der Rohe de que “menos é mais” e de Buckminster Fuller, “de fazer mais com menos”.
O menos de Virginia se constitui na limitação das cores, reduzidas a duas, azul e laranja e de imagens padronizadas em expansões e contrações.
Ao criar um pattern, padrão, Derqui elimina qualquer interpretação subjetiva e nos obriga a encarar a imagem sem idéias preconcebidas.
Estabelece relações entre concepção e percepção, superfície e volume, espaço e imagem.
Poderia repetir Gertrude Stein quando disse que uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa... e dizer que uma pintura é uma pintura, uma pintura, uma pintura...
Mas, prefiro dizer que além da pintura ser uma pintura ela “è cosa mentale”, como dizia Leonardo. Não há nada mais mental, cerebral do que a pintura que Virginia Derqui faz.
Falar dessa pintura sem mencionar Malevich, os construtivistas russos seria falha grave, omissão imperdoável. Não cometerei tal desatino.
Meio século antes de Reinhardt, em 1913, em Moscou, Malevich ao pintar um quadrado negro sobre um fundo branco disse: ” a artes não se preocupa mais em servir ao Estado, a religião; ela não deseja mais ilustrar a história dos costumes, não quer ter mais nada com o objeto como tal, e acredita que pode existir em si mesma e para si mesma, sem as coisas”.
Quase um século depois, em Buenos Aires, Virginia Derqui segue as pegadas de Malevich, de Reinhardt e traça sua trajetória ignorando os objetos, fazendo uma pintura que existe em si mesma e para si mesma, livre das coisas.
Poderia ter enveredado por caminhos mais fáceis, menos árduos. Não o fez. Optou pelo mais difícil, pelo reducionismo minimalista.
Se o cubismo era a coisa vista, revista, composta, descomposta, posta, sobreposta, reposta, reduzida, aumentada, multiplicada, dividida, somada, subtraída, rebatida, o minimalismo não é nada disso.
Ao se situar na contramão do Cubismo, Virginia Derqui disse não ao Impressionismo, ao Expressionismo, ao Expressionismo Abstrato dos norte-americanos e a outros ismos. Ao optar por Reinhardt, se definiu.
Sua pintura está mais para os construtivistas, suprematistas, minimalistas Malevich, Tatlin, Alexandra Exter, El Lissitzky e Reinhardt do que para Monet, Picasso, Matisse.
Isso significa que à artista só interessa a clareza, o rigor conceitual, a simplicidade formal. O toque, a pincelada aqui não tem vez. A habilidade manual, os floreios pictóricos, as composições elaboradas e requintadas, também não.
O que conta é a alternância metodológica mais precisa, medida e sistemática. Para Virginia Derqui o que importa é o equilíbrio perfeito, a simetria visual que não foge jamais à rigidez do campo estabelecido, delimitado. O espaço, a relação imagem espaço, nada mais.
Em um mundo conturbado por guerras, testes atômicos ameaçadores, natureza em convulsão, a pintura de Virginia Derqui é um veemente apelo à reflexão.
Encontrar a pureza é seu objetivo. Era também de Malevich, de Reinhardt. Aqui, racional e espiritual caminham juntos. Pintar é um ritual. Que Virginia Derqui cumpre à risca.
São Paulo, 20 de outubro de 2006
Carlos von Schmidt
Curador e Crítico de Arte