Yoko Ono Nua e Crua

Sean Lennon e Yoko Ono em Cut Piece 2003. (c) Reuters
Sean Lennon e Yoko Ono em Cut Piece 2003.
© Reuters

 

Yoko Ono tinha tudo para ser chata e intragável. De família milionária, banqueiros japoneses, educada em escola fechada, exclusiva, freqüentada pela nobreza do Japão, o atual imperador Akihito foi seu colega, Yoko poderia se transformar em mais uma Barbie nipônica. Em dondoca inútil, insuportável. Não se transformou.

Para a maioria, Yoko só existe em função de John Lennon. Aquela japonesinha que acabou com os Beatles. Ledo engano.

Lennon só entra na sua vida em 66, quando se conhecem em Londres. Naquele ano, Yoko apresentava na Indica Gallery, instalação denominada Yes. Tinha 33 anos, era bonita, sensual, inteligente e culta.

Tokyo e New York eram seus pontos de referência.

Sean Lennon e Yoko Ono em Cut Piece 2003. (c) Reuters
Sean Lennon e Yoko Ono em Cut Piece 2003.
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Durante anos, menina e adolescente, estudara música clássica e canto. As lieder alemãs e as óperas italianas faziam parte de seu currículo escolar.

Ao encontrar Lennon, já tinha realizado inúmeros happenings, performances e instalações. Fazia parte do grupo de vanguarda norte-americano Fluxus, com Maciunas, Paik e Beuys. Pacifista militante, destacara-se no movimento antiguerra do Vietã.

Em 1964, em Tokyo, a performance Cut Piece fez de Yoko Ono notícia internacional. Tendo o Vietnã como leitmotiv, fio condutor, apresentou-se com um vestido longo, branco, no centro do palco de um teatro.

Coube ao público cortar com uma tesoura o vestido, deixando Yoko nua. A alta sociedade de Tokyo ficou estarrecida. Como era de se esperar, condenou-a. Mas, o protesto de Yoko ganhou as páginas dos mais importantes jornais do mundo.

Em junho passado, vi Yoko Ono em Veneza. Participou da Bienal. Eu estava no Melograno Bar, próximo dos Giardini Biennale, fugindo do sol e do calor, tomando um lambrusco tinto, vendo os barcos no Canal Grande, quando uma japonesa e dois japoneses passaram. Seguiam em direção à Praça San Marco. Era Yoko. Usava um vestido preto e elegante chapéu de ráfia natural.

Sean Lennon e Yoko Ono em Cut Piece 2003. (c) Reuters
Sean Lennon e Yoko Ono em Cut Piece 2003.
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Domingo passado, notícia da BBC informava que “Yoko Ono repetirá show pelapaz feito há 40 anos”. Na verdade, há 39. Outra, dizia: “Performance de YokoOno poderá ter nudez 'pela paz mundial'.”

Segundo a BBC, Yoko teria dito que queria recriar a performance por causa das mudanças políticas ocorridas desde os ataques do dia 11 de setembro de 2001.

“Força e intimidação estavam no ar. As pessoas ficaram sem voz. Cut Piece é aminha esperança pela paz mundial. Quando realizei esse trabalho pela primeiravez, em 1964, eu o fiz com turbulência e um pouco de raiva no meu coração.Dessa vez, eu o farei com amor que tenho por você, por mim e pelo mundo.”

Em declaração feita no teatro, Yoko disse: “Venha e corte um pedaço de minhasroupas, um pouco menor do que um cartão postal e envie para uma pessoa quevocê ama.”

Curioso para saber como foi a repetição de Cut Piece, fiquei atento ao noticiário internacional. Fazendo uma "cozinha" das poucas notícias recebidas, fiquei sabendo que a performance foi no Théâtre Le Ranelagh. Duzentas pessoas compareceram. O vestido de Yoko era preto. O primeiro a cortar um pedaço do vestido foi Sean, filho de Yoko.

Cortou um pedaço da manga. “Ela foi realmente muito corajosa ao fazer isso denovo. Foi muito emocionante e intenso.”

Quando o último pedaço foi cortado, Yoko, de 70 anos estava no palco com a alça do sutiã cortado e de calcinhas. Sean tem razão, é muita coragem. O tempo não perdoa.


Carlos von Schmidt
São Paulo, 18 de setembro de 2003, 2 da manhã